Em palácio
transformado em brechó fuleiro, Dilma compra votos contra impeachment, como Lula
em quarto de hotel
Ao se deparar
com a reação popular à crise ética, provocada pelo assalto aos cofres públicos,
feito por seus correligionários e aliados, a presidente Dilma Rousseff passou a
utilizar a sede do poder republicano como se este fosse estádio de assembleia
sindical. Para ter êxito nessa transformação, pediu ajuda a seu padrinho, o mais
bem-sucedido dirigente de sindicato da História do Brasil, Luiz Inácio Lula da
Silva. E, ao som de palavras de ordem, berradas de forma agressiva e alucinada,
o Palácio do Planalto foi por ela, mais recentemente, transformado em refúgio de
guerrilheiros da esquerda armada, àquela época chamado de
aparelho.
Diante da
perspectiva cada vez mais ameaçadora do impeachment anunciado, ela agora passou
a encenar uma versão contemporânea do pátio do templo de Jerusalém, do qual,
conforme o Evangelho, Jesus Cristo expulsou a chicotadas os vendilhões. Assim
Dilma agora age, diuturnamente e noturnamente, advérbios de tempo dos quais tem
abusado por seu exacerbado amor à ênfase, que considera inestimável figura de
retórica para dissuadir fascistas, golpistas, coxinhas, zelitistas e que
tais.
Este, afinal, é
o efeito maligno para o cidadão e as instituições provocado pela compra à luz do
sol de apoio no processo de seu afastamento da chefia do desgoverno. Tal
comércio, praticado num brechó fuleiro, é ilícito e daninho às instituições
republicanas. Pois burla a lei neste episódio grotesco, humilhando a Nação,
conspurcando a História do País e também o capítulo reservado a seu Partido dos
Trabalhadores (PT), que levou o primeiro operário braçal e a primeira mulher à
Presidência. É, por isso, condenável por todos os ângulos pelos quais seja
visto.
Primeiramente, a
moeda sonante com que ali os dilmistas compram a honra e a consciência dos
deputados federais que decidirão se o Senado pode, ou não, abrir processo contra
a “presidenta” resulta do recolhimento de impostos arrecadados do cidadão comum.
Com a agravante de que este vive a conjuntura perversa da mais dolorosa crise
econômica de todos os tempos, com 10 milhões de trabalhadores amargando o
desemprego e, portanto, a falta de renda para sustentar a família, depois que o
erário foi dilapidado pelos novos donos da República. E se lhes acrescentam mais
200 diariamente. Isso resulta em estatísticas apavorantes: as 100 mil lojas
falidas em 2015, as 4,4 mil indústrias paulistas paradas no mesmo período, a
renda declinante a rondar o lar de todos os cidadãos, sejam eles patrões ou
empregados, contribuintes ou isentos. E tudo isso foi causado por sua política
econômica estroina, populista e irresponsável.
Há, em segundo
lugar, uma agravante institucional de sérias consequências para a higidez do
Estado Democrático de Direito, sob cuja égide a sociedade brasileira pretende
conviver. Esta quer é mantê-lo com plena liberdade e mais decência. Segundo se
narra do Planalto Central do País, a cúpula palaciana não está comprando apenas
o voto de bancadas ou parlamentares a preços ascendentes, por causa da evidência
cada vez maior do esfacelamento do desgoverno vigente. Pois o bazar de pulgas
morais instalado nos gabinetes do palácio e num quarto de hotel ao lado também
está pagando caro pela ausência do votante.
Ao contrário do
que se diz - que será necessário a Dilma e seus vassalos conseguirem a adesão de
171 deputados federais na votação final em plenário -, é obrigação de seus
adversários (para atender à vontade de, pelo menos, 61% dos patrícios) obterem
para a causa do impeachment 342 votos. Quer dizer: para fugir da decisão final
de interrupção de seu mandato obtido nas urnas Dilma e o PT precisam que 171
votem contra, declarem abstenção ao votarem ou, em último caso, se ausentem do
plenário na hora do voto. Isso quer dizer que quem aceita essa barganha imunda
pode imolar sua carreira em troca de dinheiro vivo ou algum emprego público de
qualquer escalão. Isso já ocorreu no caso anterior, protagonizado por Fernando
Collor de Mello, em 1992: a grande maioria dos que tentaram mantê-lo no poder
não mais se elegeu. Mas quem se abstiver ou faltar produzirá o mesmo resultado e
cometerá o mais grave dos crimes cívicos: o de faltar à decisão mais importante
de seu mandato e da História recente do Brasil. Pois assim jogará no lixo da
História a oportunidade de honrar sua representação. Deixará seu representado
órfão de representação na democracia que Dilma e seus seguidores juram defender
a todo custo.
Os defensores
ardorosos da escolha do eleitor, ainda que este tenha sido traído pelo eleito,
como é o caso, dizem-se de esquerda e defensores da vontade popular. Mas a
experiência mostra que eles devotam imenso desprezo à velha democracia burguesa,
inventada pelos barões que a impuseram a João Sem Terra. E aprimorada pelos pais
fundadores da Revolução Americana e pelos jacobinos e girondinos na França
setecentista. Isso explica o desdém que demonstram ter pelo apego à lei e à
ordem. Assim revelam, sobretudo, seu desprezo pela necessidade do convívio
pacífico entre discordantes.
Na última vez
que ocorreu escândalo de corrupção quase similar a este, no chamado mensalão,
perdeu-se a oportunidade de depor Lula para evitar que ele se tornasse um mártir
da causa do povo. E este se reelegeu apelando para a divisão dos brasileiros
entre “nós” e “eles”, direita e esquerda, povo e zelite, perseguidos e
perseguidores, explorados e exploradores, subalternos e tiranos. Agora,
mortadelas e coxinhas... Esta divisão impatriótica e maligna expõe a risco a
unidade nacional, investindo na calhorda e covarde demagogia da dicotomia entre
quem sustenta a máquina pública e quem por ela é
sustentado.
O aprofundamento
dela é que tornou necessário erguer o muro da cizânia na festa da celebração da
independência no último 7 de setembro. E faz agora inevitável o mesmo
equipamento para impedir que o ódio mútuo entre quem defende o impeachment para
por fim à crise e quem o renega em nome da obediência à vontade manifesta do
eleitor há um ano e meio produza uma tragédia indesejável para os todos. Uma
República que convive com a compra de apoio particular com o escasso dinheiro de
todos e com a construção por presidiários de uma parede que divide duas metades
inconciliáveis não é digna da denominação latina que carrega. Pois pode ser
tudo, menos uma “coisa pública”.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado no
Blog do Nêumanne no Estadão, na segunda-feira 11 de abril de
2016)
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