Por que não dar
crédito à delação de Valério só por ele ser criminoso se nem mensalão
houve?
Em Paris,
cenário favorito para desabafos de presidentes petistas, Dilma Rousseff fez uma
digressão interessante sobre suas convicções pessoais a respeito de corrupção de
agentes públicos: ela é a favor de tolerância zero para pôr fim aos malfeitos
dos larápios, mas contra a “caça às bruxas”. O combate sem trégua é dirigido
indiscriminadamente contra quem desafiar seu indômito espírito republicano e a
vigilância que ela anuncia para evitar malversação do erário. A exceção
refere-se a seu ex-chefe, padrinho e antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, sobre
quem quaisquer suspeitas, por mais que apoiadas em provas ou evidências, são por
ela consideradas uma “indignidade”.
A tolerância
zero da presidente não garante lisura na gestão do dinheiro público, mas revela
seu estilo de mando. É de todos conhecida a curtíssima extensão do pavio da
chefe de governo: suas explosões de mau gênio são tão estridentes que os
impropérios atravessaram os geralmente indevassáveis salões e corredores
palacianos, tornando-se famigerados. Quanto à corrupção propriamente dita, sua
reação é, sem nenhuma intenção de desrespeitá-la, pavloviana: cada auxiliar de
alto escalão que não tenha a proteção de sua benquerença, ao ser denunciado, é
logo demitido. Os que habitam os desvãos secretos de seus afetos não recebem
tratamento isonômico. É notório o caso do ministro Fernando Pimentel, cujo cargo
foi mantido sem que nunca tivesse sido esclarecido de que sabença dispõe para
justificar os altíssimos preços pagos por suas palestras. Para poupá-lo a chefe
chegou a levar um ícone da antiga moral petista, o ex-ministro Sepúlveda
Pertence, a renunciar à Comissão de Ética da Presidência da República, após não
reconduzir membros interessados na contabilidade da consultoria de seu auxiliar
do peito.
Nem protegidos
de seu padrinho foram poupados quando denunciados pelos adversários da “mídia”.
Só que, depois, ninguém seria alcançado pelos braços da punição penal, donde se
conclui que a perda de cargo é a pena máxima para amigos.
Isso, é claro,
não vale para os inimigos de ocasião. Não há delito de que seja acusado um
companheiro petista que não desperte a sanha de sua base de apoio parlamentar a
apontar com seu dedo em riste na direção do ex-presidente Fernando Henrique,
cujo único crime reconhecido é a filiação ao PSDB. Se bem que neste momento o
referido tucano venha sendo acompanhado por novos desafetos, como o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acusado de alta traição por ter
sido nomeado pelo petista Lula, confirmado por Dilma e, apesar disso, ter
apresentado um libelo acusatório que terminou levando o Supremo Tribunal Federal
(STF) a condenar os petistas Dirceu, Genoino e Delúbio.
A “caça às
bruxas” não atende aos requisitos mínimos da lógica e da verdade. Haverá, de
fato, uma onda de delação, premiada ou não, no momento no Brasil? Vamos aos
fatos: o operador do mensalão, que, conforme o PT da presidente, nunca existiu,
Marcos Valério Fernandes, procurou o Ministério Público Federal (MPF) para
contar que depositou dinheiro da corrupção na conta do ex-segurança e
ex-aloprado Freud Godoy supostamente para pagar contas pessoais de Lula. Será
verdade? A ministra do STF Cármen Lúcia disse que duvida. Dilma não hesitou:
fora do País, sendo recebida pelo presidente da França, François Hollande, não
apenas desmentiu, como deu ordens, segundo noticiário confiável, para seus
ministros saírem em defesa do companheiro-mor.
Estarão corretas
as insignes damas republicanas? É simples responder à questão. Basta abrir um
inquérito, saber se de fato o depósito foi feito e exigir que o destinatário,
caso seja confirmado, conte o que fez com o dinheiro. Aí a polícia, sob as
ordens do solerte dr. José Eduardo Martins Cardozo, poderia aproveitar a ocasião
para inquirir o mesmo acusado a respeito de sua participação na falsificação de
um dossiê contra o tucano José Serra na eleição de 2006.
Em vez de mandar
a Polícia Federal investigar, contudo, obediente às ordens emanadas de Paris, o
dr. Cardozo absolveu imediatamente o padrinho da chefe: “Do ponto de vista
jurídico, isoladamente, esse depoimento não tem nenhum significado. Foi
produzido por uma pessoa que já estava sendo processada, condenada no
julgamento, feito visivelmente na tentativa de tumultuar esse processo. Esse
depoimento não tem valor probatório”.
Homem de
confiança de Lula no governo atual, o ministro que chefia a Secretaria-Geral da
Presidência, Gilberto Carvalho, sentiu-se à vontade para se acumpliciar com a
comandante, batendo duro no delator: “O que mais nos impressiona neste momento é
como uma pessoa que foi condenada a longos anos de prisão, por ser o cérebro e o
provocador de dois processos, de repente, num gesto de desespero para tentar
amainar sua pena, é tomado de tamanha credibilidade. O que este senhor tem
revelado, particularmente a respeito do presidente Lula, é de uma falácia, de
uma falsidade, impressionantes. Me impressiona a credibilidade que se dá a esse
cidadão nessa hora, tanto nos detalhes quanto no conteúdo mais profundo”.
Trata-se de uma deslavada aposta na amnésia ampla e geral: todos sabem que o
dito desqualificado patrocinou uma romaria de banqueiros também condenados no
processo do mensalão a gabinetes do alto comando federal no primeiro governo
Lula, entre os quais o do chefe da Casa Civil à época, José Dirceu. Se crime não
houve, criminoso há? E de que autoridade moral se investe alguém que nega
credibilidade à palavra de um réu e atribui a um colega de banco dele no
julgamento a aura de mártir injustiçado?
Terá Valério
nomeado Rosemary Nóvoa de Noronha, denunciada pelo MPF, para chefiar o gabinete
da Presidência da República em São Paulo? Terá sido em seu nome que ela nomeou
figurões da burocracia federal? Sob sua égide terá praticado os delitos de que é
acusada? Ou será, por acaso, ela a bruxa que Dilma não quer que
cacem?
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pág.2A do Estado de S. Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de
2012)
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