O CORAÇÃO SUBMERSO
[fragmentos]
II
É o homem, uma lâmpada em dois pés
E duas asas e vidro e treva ao redor.
Abramos os olhos, as têmporas, os caules, as pernas,
As portas do corpo e da escuridão.
Sejamos seu passo, seu reflexo, seu hálito, seu número,
O espaço e o tempo e seu ruído e o que se segue
Ao movimento de válvulas e chaves de sombra unidas
Em um pulso de fogo e ar contido de raiz.
Que crescida treva nossa prolongada em seu clima
De anjo extraído da morte!
IV
Admirável semelhança e ato meu e fogo móvel
Desde o espanto branco e frio onde a mensagem
Chegou, finalmente, com teu sopro e tua aparência
De inundação e tempestade, de sonho e movimento.
Oh maravilhoso corpo de ar e som e essência
Desatado na beira da água e na respiração
Da terra que sai de sua sombra como um olho
Destruído na luz sem sangue da morte.
E vivo e semelhante e sem rastro e sozinho
Com as mãos dentro do mar.
IX
Oh sombra terrestre, palpitante despertar e asilo
De minha forma confusa por asas e cabelos e folhas
Que me fazem nadar em um raio ou em uma mão
Arremessada ao abismo pelos coros obscuros
Que me perseguem em voo e repouso.
Vejo tua água distante como a porte de um espelho
Por onde devo passar um dia em um estremecimento.
Perseguido e negro e rodeado da imagem
Perdida ao cair em tua doce treva e na viva
Iluminação de tuas árvores e ossos.
XVIII
Vinde, tremor de ar quente e mão iluminada,
A este clima de terror onde a noite de ferro
Sustenta sua porta entre línguas de cinza,
Aparições e números desprendidos das folhas
Do mesmo tempo que não cede em sua fúria de sonho penetrante.
Vinda, vinde, hábil cascata, vinde coração feito de anéis
E realidade terrestre, sucessão dos olhos e derramada
Felicidade sem solidão como sob um sol de longas ondas.
Vinde, vinde, que saio da sombra em um ruído
De lâmpadas errantes em um branco calor.
XXXIII
A porta está diante de minha casa como uma cerejeira
De vida e sonho sangrando pelos olhos.
Constantemente perdida e encontrada e segura
De ser mistério e chave e mão que a toca
Ou viajante chagado de ar marinho e essência
E sal formado a sopros pelo pé do tempo.
Oh lâmpada, oh segurança distante e sempre
Sangue de meu sonho estendido sob águas
Em imagem de plantão com armas terríveis
E um gelado sol de raízes lá fora.
XL
Nossa tarefa era estar na beira da sombra
E no profundo movimento e no pulsar
Da luz em cascata e no afã de estendermos
As mãos sobre a memória fechada e o tempo.
Porém o distante fluxo das ondas da selva e a caverna
Vem em inextinguível fúria e entre pedras
E fogo e sons e línguas de ferro pelas raízes
Terrestres e pelo ponto apagado do coração.
Como deter este imenso sopro de morte
Se não opondo terra a terra, oceano a oceano?
XLIV
Que terrível e transparente som é nosso sangue
Entre a vontade e o perigo, entre o golpe
E o passo secreto entre ouvido e coração
E coração virado ao contrádio de imediato junto à fumaça
E a angústia de véus angustiados e movimento
De vapores noturnos e ecos rejeitados e ecos
De boca medonha sobre os olhos e ecos
Sustentados pelas mãos cortadas no ar e ecos
Aderidos ao dorso como penugens e ecos
Em formas de tesouras e chaves.
XLV
Dura e perseguida treva e voz
Que conduz ondas na tempestade e árvore
Submarina e ruída da ausência abolida.
Que peixe estranho saído de nossos ramos
Que turvar a água em afã e delírio?
Abri válvulas de sonho, abri janelas
De sangue, abri exércitos fechados, abri
O ar frio e a memória que o visita
Desprendida do movimento entre lençóis
De sal devorador.
XLIX
Sair agora, oh trepadeiras dos mortos,
E ramos de névoa e escalas de hábito,
E portas de chave dupla e visão conduzida
Por sonhos e águas de calor e imagens.
Finalmente o ar livre e a vontade do céu
Em amor e companhia de coros e penetrante
Ressurreição do tempo e do rigor fortalecido.
E finalmente uma longa atmosfera de fortuna
Pela descida dos anjos mortos
E pela espada terrestre suspensa em minha boca.
[Poesía, 1939]
Rosamel del Valle, Tradução de Floriano Martins
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