Mistérios sobre
assassinato de Celso Daniel voltam à luz agora na Operação Lava
Jato
Sobe o
pano.
Um vaticínio
macabro, atribuído ao ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral, acaba de
dar o ar da desgraça. De acordo com alvitre reproduzido nos meios de comunicação
após sua prisão por obstrução de Justiça na Operação Lava Jato, o petista de
Mato Grosso do Sul teria avisado ao líder máximo do Partido dos Trabalhadores
(PT), Luiz Inácio Lula da Silva, que enterrar ex-amigo em cova rasa gera um
risco: o de este vir assombrar, em forma de zumbi. É o que parece estar
acontecendo com o cadáver de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André que foi
sequestrado e executado em janeiro de 2002, quando era o responsável pelo
programa de governo da primeira campanha vitoriosa do ex-dirigente
sindical.
Tudo foi feito
para sepultar não apenas o corpo, mas também a história do escândalo, que começa
com a cobrança de propinas de empresas de transporte público na cidade do ABC e
terminou com uma bala na cabeça do protagonista. Quando o cadáver foi
descoberto, de madrugada, na mata, em Juquitiba, a primeira reação do PT e de
Lula foi desqualificar qualquer relação do assassínio com sua assessoria na
campanha eleitoral, que o petista venceria. O então conselheiro econômico do
candidato, Aloizio Mercadante Oliva, afirmou aos brados ao então diretor da
redação do Jornal da Tarde, Fernão Lara Mesquita, que tudo não passava de
um crime passional. A morte teria sido motivada, segundo ele, pela relação
homossexual de Daniel com seu assessor próximo Sérgio Gomes da Silva, que
dirigia a Pajero da qual o petista foi arrancado e levado para o cativeiro na
favela Pantanal.
A primeira
versão que o PT divulgou foi a de que o seus adversários, principalmente os
tucanos, tinham interesse em usar o episódio para “criminalizar” o partido e
prejudicar o candidato – hipótese que, não por mera coincidência, tem sido
utilizada atualmente para tentar desqualificar o trabalho de Sergio Moro, dos
procuradores e dos policiais federais da força-tarefa da Operação Lava Jato na
investigação de roubo em estatais e bancos públicos. Tal denúncia, contudo,
seria logo mudada para a do crime banal de extorsão seguida de morte
acidental.
Dois episódios
antecederam essa mudança. Primeiramente, o candidato Lula e seu lugar-tenente
José Dirceu se reuniram com o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seu
ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, para, segundo a versão oficial
divulgada pelos dois lados do encontro, acertarem a entrada da Polícia Federal
(PF) nas investigações para evitar sua politização pela Polícia Civil paulista,
sob o comando do tucano Geraldo Alckmin. O pedido foi aceito, a PF entrou em
cena, mas em seguida desapareceu, sem explicações ao distinto
público.
Em segundo
lugar, logo depois a investigação, que começara a cargo do delegado regional de
Itapecerica da Serra, Romeu Tuma Júnior, foi transferida para a Delegacia de
Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Questionado sobre o motivo da
transferência, o então governador me disse que ela ocorreu para evitar
exploração política pelo delegado, que era candidato a deputado estadual. Após o
DHPP ter encampado a tese de Luiz Eduardo Greenhalgh, encarregado pelo PT de
cuidar do caso no ABC, o inquérito foi resolvido rapidamente e a hipótese de
extorsão seguida de assassinato acidental foi dada como
definitiva.
O Ministério
Público de São Paulo (MPSP) e a família do morto, contudo, nunca concordaram com
ela. Os irmãos Daniel resolveram, primeiro, contestar e, depois, se esconder. O
mais velho, João Francisco, oftalmologista e apolítico, mudou-se para lugar
ignoto em território nacional. Outro irmão, professor universitário e
ex-militante de esquerda e do PT, Bruno José Daniel, foi viver em Paris com a
mulher, Marilena Nakano, e os filhos. Tomaram tais decisões por temerem
perseguição dos verdadeiros assassinos, segundo eles, sob a proteção do
PT.
Marilena e Bruno
viajaram quando souberam que o legista que fez o laudo cadavérico e apontou
sinais de sevícia (o laudo foi, depois, eliminado do inquérito policial) tinha
aparecido morto em seu consultório e a polícia encerrou o caso assegurando que
fora suicídio. Em meu livro O que sei de Lula, publicado em 2012, listei
sete mortos do crime, a começar por Dionísio Severo, o sequestrador, assassinado
a facadas no parlatório do presídio na frente da advogada, a quem prometera
delatar quem o tinha contratado. Tuma, que reconheceu o cadáver e chefiou a
investigação em seu início, garante que já são 11. De novo no governo, Alckmin e
seus antecessores no posto, Cláudio Lembo, José Serra e Alberto Goldman, nunca
duvidaram da versão do PT encampada pelo DHPP.
Ainda assim,
Serra encarregou a delegada Elizabete Sato de reabrir o caso. Ela me disse que
estava convicta de que o crime não fora banal, mas tinha que ver com as
denúncias de corrupção em Santo André. Só que encerrou o inquérito mantendo a
versão original, após alegar que promotores e familiares não a convenceram de
nenhum fato novo que motivasse sua reabertura. Entregue o relatório, foi
promovida por Serra.
Mas o MPSP
convenceu os jurados de Taboão da Serra, que condenaram seis acusados de
participação do crime. Os promotores, todavia, nunca conseguiram incluir entre
eles quem acusavam de ser o mandante, Sérgio Gomes da Silva. Pois este pediu e
obteve habeas corpus do então presidente do STF Nelson Jobim. O pedido
foi guardado na gaveta de cinco presidentes: Ellen Gracie, Gilmar Mendes, César
Peluso, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa. Ricardo Lewandowski concedeu-o no
fim do ano passado e tudo voltou à estaca zero até que, agora, a Lava Jato
desencadeou a fase Carbono 14 da Lava Jato.
Nunca se saberá
se o aviso dado por Delcídio se concretizou. O certo é que, em 2014, Marcos
Valério Fernandes, o operador do mensalão, pediu para fazer delação premiada e
disse a duas procuradoras federais de Minas Gerais que recusara proposta de
Silvinho Pereira, proprietário da Land Rover presenteada por interessado em
propina da Petrobrás, para conseguir um meio de pagar R$ 6 milhões ao empresário
de ônibus em Santo André Ronan Maria Pinto, que, segundo o emissário do PT,
ameaçava delatar Lula e Zé Dirceu por sua participação na morte de Celso Daniel.
A delação
premiada não foi aceita pelo Ministério Público Federal, apesar de Valério ter
contado às procuradoras que ouvira de Silvinho, num café do hotel Sofitel (hoje
Grand Mercury), na av. Sena Madureira, a solução afinal dada: a assinatura de um
contrato bilionário da Petrobrás com o armador Shahim, cujo banco deu o dinheiro
ao pecuarista Bumlai, que o teria repassado ao chantagista, que com ele teria
comprado o controle do jornal Diário do Grande ABC. Mas a contadora de
Alberto Yousseff, Meire Poza, entregou à Lava Jato o documento que comprova a
versão de Valério. Então, o juiz Sergio Moro desencadeou a Carbono 14, mandou
prender o dono do jornal e concluiu que a execução do assessor de Lula tem
relação com o mensalão e o petrolão.
A versão de
Meire Poza foi colhida pelo delegado Tuma, que a reproduziu no livro
Assassinato de Reputações 2 – muito além da Lava Jato , que acaba de
lançar pela Matrix. E o escritório da contadora pegou fogo na semana
passada.
Pano
rápido.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado no
Blog do Nêumanne no Estadão na quarta-feira 4 de março de
2016)
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