Fala-se muito na
necessidade de o governo reunir um terço dos votos de deputados federais para
impedir que o processo da interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff
suba no telhado convexo do Senado Federal. Esta conta, porém, não é correta. O
governo não precisa do apoio de 171 deputados para prosseguir. Os defensores da
aprovação do pedido de Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal pela
Câmara é que precisam de 342 votos em plenário para retirar Dilma do
governo.
As redes sociais
têm exibido cenas de 1992, quando foi votado na Câmara o processo movido contra
Collor por quem quer comprovar o óbvio de que hoje não há um golpe em marcha.
Aciona-se, sim, um dispositivo constitucional que regulamenta o critério de
afastamento de um presidente da República acusado de ter cometido crime de
responsabilidade. Naquela ocasião, a deposição do chefe do governo só foi
comemorada depois que Paulo Romano (PFL-MG) a avalizou, dando-lhe os dois terços
exigidos do total de 502 deputados de então, ou seja, 336. Hoje, com 11
deputados a mais, a conta certa passou a ser 342.
Ou seja: na
prática, quem faltar à sessão ou nela se abstiver votará contra a proposta de
impeachment. Se algum deputado for visitar Papai Noel no Polo Norte ou
participar de uma festa tribal zulu no Lesoto, a aritmética dos 171 não valerá
mais. É útil lembrar que 24 deputados faltaram à votação histórica de 1992 e um
se absteve.
A proposta foi
aprovada por 441 votos, mais do que o necessário hoje. A conta que não muda é a
dos dois terços, que resultarão no impeachment já, cada vez mais premente diante
dos números catastróficos da economia e das providências descabias do desgoverno
Dilma. Tais como desafios à lei e à lógica: a nomeação de Lula para a chefia da
Casa & Covil, que está sub judice, as ameaças de guerra de hordas,
que não têm mais a mesma força nem muito menos o mesmo apelo de antes, e tantas
outras.
Outra questão
que urge ser esclarecida é a da continuidade da Operação Lava Jato depois da
posse do governo que completará o mandato de Dilma, se esta for impedida ou vier
a ser deposta junto com o vice, Michel Temer, se o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) cassar a chapa composta pelos dois na eleição de 2014. A imprensa e blogs
bem informados estão cheios de vaticínios sombrios sobre a devassa feita em
Curitiba pela força-tarefa da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público
Federal (MPF), sob o comando do juiz federal Sérgio Moro.
Notícias e
opiniões confiáveis têm percebido que os burros que caíram n’água depois da
limpeza feita no Estado italiano vergado sob o peso das revelações das relações
íntimas e espúrias entre seus dignitários e bandidões da Máfia podem também cair
aqui. A substituição do primeiro-ministro socialista Betino Craxi, que viveu
seus últimos dias numa casa de veraneio em Hammanet, na Tunísia, longe da
prisão, pelo magnata Sílvio Berlusconi entrou na ordem do dia. Como também
entrevistas de agentes da lei ou especialistas que advertem para o risco de a
Lava Jato terminar como a Mani Pulite (Mãos Limpas), inspiração de
Moro.
O último alerta
a respeito foi o vazamento (cuja autoria tem sido atribuída a insignes
governistas e dirigentes da própria empreiteira acusada de corrupção) da
planilha que compromete 279 políticos, candidatos ou não, de 22 - 63% - dos 35
partidos políticos autorizados a funcionar pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). A intenção seria assustar todos para que a maioria dos ocupantes de
cargos do desgoverno isolado que está para cair e dos membros do tal gabinete de
união nacional, a ser composto para substituí-lo, aproveite-se do alívio do
impeachment para retirar juiz, procuradores e policiais federais dos noticiários
do dia para introduzi-los nos capítulos da história da
República.
Enquanto isso
não ocorre, os citados recorrem ao lero-lero de sempre. “É preciso separar o
joio do trigo”, repete à exaustão o principal líder da oposição, senador Aécio
Neves (PSDB-MG), que jogou no lixo o capital de votos que o levou ao empate
técnico com a vencedora reeleita por comodismo, preguiça, falha de cálculo, ou,
vai saber, por cumplicidade. De que trigo fala, cara-pálida? Afinal, ali só há
joio.
Como nas boas
investigações e nos romances policiais, aqui vale a questão romana do cui
prodest: a quem interessa? A generosa, generalizada e indiscriminada doação
da Odebrecht a políticos e partidos seria uma tentativa de obter indulgência
plena, uma vaga no céu ou o protagonismo de um processo de canonização similar
ao que guindou à santidade Madre Tereza de Calcutá? Parece-me mais provável que
a empreiteira estivesse interessada nos préstimos dos políticos premiados. Ou
sou eu o cínico?
Se, de fato, há
na lista quem possa reivindicar a doação sem mácula, por que todos os listados
tiveram seus nomes próprios substituídos por codinomes cômicos, como Viagra,
Passivo, Carangueijo (sic) ou Lindinho? O mantra da doação legal cai por terra
nas contas do Estadão Dados publicadas no jornal O Estado de S.
Paulo: nas eleições municipais de 2012, a empreiteira doou legalmente R$
38 milhões e as planilhas somam distribuição de R$ 72 milhões, quase o dobro. O
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), não declarou os R$ 3 milhões
registrados na planilha alegando que a doação foi feita a seu partido. Seu
adversário na disputa, José Serra (PSDB), também não detalhou como gastou os
R3,2 milhões anotados na planilha. Não seriam estes indícios de que partidos
políticos usaram a Justiça Eleitoral como lavanderia, o que agrava, não ameniza,
o delito óbvio do Caixa 2? E o tiro de misericórdia em tais pretextos é o fato
de, mesmo a doação tendo sido legal, se a origem ilícita do recurso tiver sido
ilícita, a criminaliza.
O mais relevante
em tudo isso é que a Nação não tem partido político ou bandido de estimação.
Portanto, interromper a Lava Jato é crime de lesa-pátria, um tiro no futuro da
Nação. Todo cidadão, interessado ou não no impeachment já de Dilma, deve exigir
a Lava Jato até o fim.
Jornalista,
poeta e escritor.
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