Discurso
populista é só jeitinho de manter a máquina pública para roubar sem ser
punido
Após sofrer,
domingo, derrota fragorosa no plenário da Câmara dos Deputados – 367 do total de
513 votaram pela abertura do processo de seu impeachment, 146 contra, 7 se
abstiveram e 2 faltaram à sessão –, a “presidenta” da República, que já causara
as crises monumentais na economia e na política, deu a partida para um leviano e
grave conflito de natureza institucional.
Anteontem, em
entrevista coletiva, Dilma Rousseff acusou mais de dois terços desses
parlamentares de terem autorizado o Senado a processá-la por motivo torpe:
vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, “por não termos aceitado
negociar os votos dentro do Conselho de Ética”. A titular do Poder Executivo
afrontou o Poder Legislativo, que representa a cidadania. E não atentou para o
Judiciário, que, por 8 votos a 2, definiu o processo como dentro da
lei.
Sua arrogante e
meramente retórica insistência na hipótese estapafúrdia da ocorrência de um
golpe de Estado jurídico, parlamentar e popular (!) reflete o isolamento de um
desgoverno incompetente e inconsequente, cuja “chefa” sempre dá as costas para a
grande maioria da população, que, assustada com a catástrofe que torna seu dia a
dia infernal, festejou a decisão da Câmara com um carnaval nas ruas, em que
restou a quem a apoia chorar e calar.
Na entrevista,
Dilma insistiu num discurso no qual todo brasileiro de posse das faculdades
mentais identifica o desprezo dela e de quem a apoia pela inteligência do
cidadão e pelo Estado Democrático de Direito, sob cuja égide a sociedade tem
tentado manter-se, ainda que a duríssimas penas.
Como no domingo,
à noite, havia feito José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, que age como
causídico privado da madama, esta também apelou para a luta dela por suas
convicções, que ele chamou de “libertárias”. Mas a ex-guerrilheira da
VAR-Palmares é uma libertária de ocasião. Ela entrou na política desafiando uma
ditadura que torturou, matou e restringiu liberdades para ficar no poder. Mas
nunca o fez em defesa da liberdade.
Dilma pegou
mesmo em armas na tentativa lunática de substituir o regime direitista por outra
ditadura, só que de esquerda. Mas com o mesmo ódio mortal do regime oponente por
quaisquer arroubos de dissidência, por mais tênues que fossem. A aventura
irresponsável dos jovens de extrema esquerda de sua geração podia ter objetivos
generosos. Mas os ideais comunistas foram conspurcados por tiranos de
truculência similar à de seus inimigos (nem sempre) da direita. Stalin, Pol Pot,
Mao Tsé-tung e Fidel Castro nunca em nada ficaram a dever a Hitler, Mussolini,
Franco ou aos militares, ditos gorilas, latino-americanos. Essa saga é
mentirosa, como as promessas que ela fez na eleição de
2014.
Como a
Pasionaria espanhola, Dilma “Coração Valente” arriscou a vida pela causa e
sobreviveu. Com o fim da ditadura, que a torturou, ela participou da
reconstrução da plena democracia com os pés na disputa pelo voto popular e a
cabeça na utopia de Marx e Engels, que Lenin deturpou.
Não lhe faltou
companhia nesse populismo de fancaria. Tendo, antes, sobrevivido à sombra do
“socialismo moreno” do caudilho Leonel Brizola, chegou aos píncaros da glória na
República no Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, nosso farsante de
estimação. Mais popular líder político da História, o operário braçal chegou à
Presidência e a fez sucessora numa trajetória em que se misturam falácia,
bazófia e farsa. Egresso do sindicalismo dito autêntico na ditadura e principal
prócer petista, o ex-dirigente sindical expurgou do PT os deputados que votaram
em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, porque eles se recusaram a obedecer a
seu equívoco de considerar o candidato que fundaria a Nova República igual ao
adversário, Paulo Maluf. O PT nunca aderiu a Tancredo e seus seguidores fiéis.
Mas se aliou a quem, antes, tratava como símbolo da corrupção e “filhote da
ditadura”.
Em nome do
purismo ideológico, o partido recusou-se a aceitar os termos da Constituição
democrática, que pôs fim à ditadura. Assinou-a a contragosto e à undécima hora.
Mesmo tendo participado, em 1992, da derrubada de Collor, que o derrotara em
1989, Lula opôs-se ao mandato-tampão do vice empossado, Itamar Franco. E
expulsou do PT a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina por ter ela ocupado
cargo de alto escalão na gestão que faria a maior revolução social da História:
o Plano Real.
Para superar a
rejeição, que o levava a perder eleições por culpa dos sagrados princípios
socialistas do partido de ex-guerrilheiros, ex-padres de passeata e
ex-sindicalistas, Lula, com seu charme de retirante da seca e homem do povo,
subiu, enfim, ao topo do poder republicano. Ali instalado, logo relegou os
ideais populistas bolivarianos ao papel secundário de convencer os pobres a
manterem no poder seus asseclas, que se dedicaram a arrombar os cofres da
viúva.
Assim, tornou
viável o maior assalto praticado no Brasil em todos os tempos. Os casos Celso
Daniel, mensalão e petrolão são capítulos de um roubo só, desvendado pela Lava
Jato. E a utopia esquerdista virou nota de pé de página na história policial de
uma roubalheira feita por bandidos empenhados em enriquecer à custa de pobres,
cujos votos de cabresto foram garantidos em troca de esmolas para sobreviver,
pagas enquanto a Pátria Enganadora pôde bancar a farra
bilionária.
Essas são a
verdadeira história do lulopetismo e a autêntica saga da guerrilheira de
codinome Estela, que neste momento usa a sede do poder republicano, o Palácio do
Planalto, como se fosse esconderijo (“aparelho”) para se manter a salvo da
polícia e da Justiça. O resto é retórica rasteira para vender o papo de camelô
das “conquistas sociais”. A derrota na Câmara, domingo, pode ter sido o primeiro
parágrafo do epílogo dessa narrativa de filme noir de gângster. Mas, para
isso, o Senado ainda precisa corresponder à ira do povo enganado, que ronca nas
ruas.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag.2A do Estado de S. Paulo de quarta-feira 18 de abril de
2016)
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