José
Nêumanne
Para
tentar salvar sua pele, Dilma pula a cerca da autonomia dos Poderes da
República
Primeiro, Dilma
Rousseff meteu os pés pelas mãos e perdeu totalmente a popularidade que nunca
teve antes na História deste país, mas ganhou como mimo do padrinho. Depois,
abusou tanto das mentiras que terminou por ficar também sem credibilidade.
Agora, ela tem dado sinais de que começa a deixar pelo caminho toda a
compostura.
É possível
chegar a essa conclusão sem levar em conta as descomposturas que costuma dar em
seus subordinados quando contrariada e nas quais abusa na intimidade do
palavreado chulo, da mesma forma como expõe seu raciocínio confuso quando fala
em público, lendo ou de improviso. O episódio narrado por Natuza Nery e Marina
Dias na Folha de S.Paulo de domingo, contudo, perturba muito menos pelo
destempero do uso exagerado de um linguajar rasteiro e desrespeitoso, tratando o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, como lacaio, que ele não é, mas um
servidor público com tarefas importantes a cumprir para preservar a natureza
republicana das coisas. O episódio descrito na notícia é repulsivo, mas deixa de
ser relevante, já que a presumida vítima poderia ter reagido por honra ou
vergonha, e não o fez.
É esdrúxulo
acusar Cardozo de haver estragado (para usar, em respeito ao estômago do leitor,
o verbo mais próximo do palavrão que ela teria berrado) uma viagem aos EUA em
que pretendia apresentar uma agenda positiva para tirar o pé da crise. Mas, pelo
que se narra dos bastidores palacianos, é useiro e vezeiro. Sua fúria não
respeita minimamente as normas comezinhas de civilidade. Mais grave é a
reprimenda reproduzida na reportagem: “Você não poderia ter pedido ao Teori
(Zavascki) para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a
delação?”.
O palpite
infeliz tem várias conotações e todas são comprometedoras. A primeira é que
abona a informação dada pelo ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) Herton Araújo de que teria sido impedido de divulgar o aumento
da extrema pobreza antes da reeleição dela.
Essa é uma das
várias mentiras que Dilma contou no palanque ao eleitor, tendo a vitória como
única meta. É coerente com o lema “a gente faz o diabo para ganhar uma eleição”,
que explicita a hipérbole capaz de mostrar que nem o inferno é seu limite quando
se trata de alcançar o poder. A cobrança mal-educada ao ministro, com quem ela
conta sempre estar a serviço dela, e não da Nação, da forma que é exigida no
Estado Democrático de Direito, conduz ao passo seguinte: ela também faz o que só
o capiroto aceita para não ser apeada do poder. Já que ninguém contestou as
repórteres e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) citado no vitupério
não pediu satisfações, Dilma decidiu brigar com
Montesquieu.
Era só o que
faltava, dirá o leitor desatento. Mas o atento sabe que a divisão entre os três
Poderes, pregada pelo barão francês na virada do século 17 para o 18, tem sido
deixada de lado na peculiar democracia à brasileira desde que, depois da
Constituição de 1988, se convencionou adotar o híbrido presidencialismo de
coalizão. Neste, a barganha permanente de óbolos e favores entre senhores do
Executivo e “nobres” parlamentares tornou a República uma casa de penhores no
limiar de virar um lupanar. Não se trata de uma invenção petista: vem do tempo
em que Lula rosnava na oposição. No entanto, o exemplo mais bem-sucedido dos
resultados práticos dessa relação espúria aparece diariamente no noticiário
fértil e podre da Operação Lava Jato, na qual Executivo e Legislativo chafurdam
na lama sem pudor nem rubores.
Só que o País
sentiu há pouco a nova sensação de respirar um ar menos fétido ao assistir pela
televisão às sessões de julgamento do mensalão, em que delinquentes tidos como
heróis da Pátria pelos donos dos Poderes tiveram seus crimes descobertos,
investigados, relatados e apenados. Foi como se, de repente, as distinções de
casta tivessem desaparecido.
E agora Dilma
acaba de pular a cerca da autonomia dos Poderes. Seu encontro às escondidas em
Oporto com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, foi o passo em falso que
coroou os percalços que a têm feito penar no pior primeiro semestre de um
governo em 193 anos de independência.
O Tribunal de
Contas da União deu-lhe prazo para explicar as tais “pedaladas” fiscais,
denominação que muito desagrada a seu anspeçada jurídico Luís Inácio Adams. O
Tribunal Superior Eleitoral pôs em dúvida as contas de sua campanha. E chamou o
empreiteiro e delator premiado da Lava Jato Ricardo Pessoa para testemunhar que
barganhou doações para a candidatura dela em troca de favorecimento em contratos
de serviços superfaturados para a Petrobrás.
Neste momento,
qualquer contato informal dela com qualquer ministro do STF seria suspeito. E a
suspeição se amplia ao se constatarem as circunstâncias. A reunião não constou
das agendas formais dos participantes. É inverossímil a coincidência da parada
em Portugal quando Lewandowski – que decidirá sozinho no plantão de recesso se
manterá, ou não, a delação premiada de Pessoa, podendo até tirá-lo da cadeia –
estava por lá. Igualmente absurda é a versão de que trataram do aumento abusivo
dos salários do funcionalismo do Judiciário, o que reduziria o presidente desse
Poder a líder sindical de subalternos. Recorde-se que o tema é da alçada do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encarregado do caixa, mas quem compareceu ao
convescote foi o da Justiça, José Eduardo Cardozo. E foi ele quem o definiu como
“casual combinado”, fazendo do acinte institucional uma mera contradição
semântica.
Zavascki nada
tem feito para justificar a inclusão de seu nome nos disparates de Dilma.
Restará a Lewandowski seguir-lhe o exemplo, não adotando na Operação Lava Jato
providência alguma que destoe da conduta do relator do caso no STF. Uma súbita
alteração de rumos poderá custar caro para todos eles. E para o
Brasil!
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag.2A do Estado de S. Paulo de quarta-feira 15 de julho de
2015)
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