José
Nêumanne
O que pode
garantir a supremacia do STF é manter a independência vitalícia dos
ministros
Ao longo do ano
que terminou anteontem, o de 2012, brilhou a estrela do Supremo Tribunal Federal
(STF) no céu da Pátria, acostumada aos brilharecos de marketing do Poder
Executivo e aos buracos negros do Legislativo, que, apesar de representar o
cidadão, continua de mal com ele, segundo pesquisa do Ibope. Estreante na
pesquisa, o órgão máximo da Justiça superou a própria em prestígio – o que é
natural, e até óbvio, porque, enquanto a instituição absorve golpes no plexo
pela lerdeza e pela parcialidade, citados pelo novo presidente, Joaquim Barbosa,
na posse, a Corte maior foi festejada pela publicidade explícita de um
julgamento arrasa-quarteirão, o do mensalão.
A discussão em
torno de um nome, um voto – do ministro Luiz Fux –, contudo, terminou por abrir,
antes das festas de Natal e da virada do ano, uma discussão sobre um flanco, se
não aberto, pelo menos mal vigiado, do Supremo, o que não põe em risco sua
supremacia, mas em debate sua independência. A indicação do nome dos 11 membros
do STF por decisão solitária do chefe de outro Poder, o presidente da República,
poderia levantar suspeitas quanto à isenção dos indicados, apesar de serem estes
sempre submetidos à arguição de uma das Casas do Congresso, o Senado? A decisão
do Supremo de contrariar duas vezes – ao não adiar o julgamento, que já tardava
sete anos, a pretexto da iminência das eleições municipais, e condenar seus
companheiros de partido e churrasco – o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
deu a primeira resposta negativa (do ponto de vista ético, positiva) à questão.
Dos 11 ministros que deram início à maratona, 7 foram indicados por Lula ou por
Dilma, sua correligionária do Partido dos Trabalhadores (PT), sua aposta
solitária na campanha sucessória e sua ex-chefe da Casa Civil. Como arguir
qualquer suspeição se o relator do processo e o responsável pela mediação das
votações, o presidente, foram indicados – de fato nomeados, porque nunca o
Senado faz qualquer objeção às indicações presidenciais – por petistas de
carteirinha?
A fidelidade
canina com que o revisor, Ricardo Lewandowski, e outro ministro, Dias Toffoli,
se opuseram aos votos da maioria é exceção que, longe de negar a regra geral do
modelo traçado pelo colegiado de magistrados, a confirma. A discussão, tornada
pública pelo próprio Luiz Fux, em torno de insinuações malévolas a respeito de
eventual compromisso previamente assumido por ele de absolver réus petistas no
processo também serve menos para fragilizar sua posição de julgador. E mais para
condenar quaisquer tentativas de subordinar a decisão de um ministro à gratidão
por quem o investiu no cargo. Este é vitalício e, portanto, infenso a quaisquer
retaliações de outros Poderes e poderosos.
Talvez por
pretender defender-se dessas maldades, Sua Excelência deu entrevista a Mônica
Bergamo, da Folha de S.Paulo, na qual narrou seu périplo por gabinetes
importantes na República para obter apoio à sua indicação para o topo da
carreira, primeiro pelo ex-presidente Lula, depois pela presidente Dilma. Chegou
a ser publicada afirmação atribuída a Lula de que desconfiava de alguém com
apoios da direita, Delfim Netto, czar da economia na ditadura, e da esquerda,
João Pedro Stédile, chefão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST). A afirmação do guru petista é falaciosa, pois os extremos foram
procurados pelo fato óbvio de que tinham amplo acesso a seus pavilhões
auriculares. Além do mais, pouco tempo depois, ele foi fotografado beijando a
mão de outro egresso da ditadura, Paulo Maluf, no jardim de sua mansão, para
obter o apoio dele à campanha municipal paulistana do petista Fernando Haddad,
como Dilma, uma aposta de altíssimo risco que acabou ganhando. A procura de
apoio ecumênico às pretensões de alguém no Brasil remonta à época dos
“pistolões”, que decidiam desde a nomeação de delegados de polícia no interior
até o preenchimento de vagas no ensino superior.
O ministro-chefe
da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, informou que
Fux lhe dissera que “não havia provas” contra os réus do mensalão e que sua
atuação seria “muito clara”. São truísmos que nada elucidam e lembram a máxima
de Chacrinha: “Eu não vim para explicar, mas para confundir”. O próprio Fux já
havia dito antes que se surpreendera com a quantidade de provas e nenhum
brasileiro que o viu atuar no julgamento poderia acusá-lo de falta de clareza.
Mas não é bem disso que estamos tratando aqui e, sim, da forma da escolha dos
membros do colegiado ao qual são submetidos os julgamentos finais em casos de
violação da ordem constitucional. A cândida confissão de Carvalho reforça a
sensação de que os figurões federais foram surpreendidos com a aplicação pelos
ministros do STF da mistura de frases de Chapolim – “eles não contavam com minha
astúcia” – e de Charles de Gaulle – “a maior virtude de um estadista é a
ingratidão”. O PT, habituado a subordinar tudo – do Banco do Brasil ao Tribunal
de Contas da União (TCU) –, dava como favas contadas o aparelhamento do topo do
Judiciário pela força da gravidade. E quebrou a cara.
Agora tenta
desqualificar o Supremo levantando suspeitas sobre a campanha pela indicação que
os eventuais candidatos à boa vaga fazem. Trata-se de uma ignomínia! Não há
alternativas à vista: indicação pelo Congresso? É brincadeira! O Senado nem dá
conta da sabatina, vai dar conta da indicação? Além do mais, o Congresso nomeia
os membros do TCU. Recentemente, indicou Ana Arraes e o sobrenome ilustre não a
impediu de tentar ajudar a companheirada considerando lícitas manobras de Marcos
Valério, réu do mensalão condenado por unanimidade! E que tal a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB)? Ou as associações de juízes? Aí, meus amigos, seria o
caso de seguir a receita de Dilma para apagões: gargalhar.
Talvez a saída
seja deixar como está e esperar que o cargo vitalício inspire a independência do
julgamento do ocupante.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pág. A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 2 de janeiro de
2012)
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