Roberto DaMatta
Um fantasma ronda o Brasil: o fantasma da falta de
educação e da baixaria. Juízes do Supremo, parlamentares, ministros,
altos empresários e governadores perderam o senso luso-brasileiro e
ameaçam um bate-boca generalizado. Alguns tentam conjurar essas brigas
antiaristocráticas que pegam mal porque revelam muito do que não pode
ser mostrado.
Aqui se faz um apelo aos leitores. Sejam sinceros e tirem a
honestidade da zona cinzenta dos pecados e dos malfeitos. Façam o
contrário dos diplomatas e dos populistas: proclamem o que pensam e
sentem. Seremos todos acusados de intrigantes e boquirrotos pela direita
(a dona da bola e, por isso mesmo, corrompida), pela esquerda
(revolucionária, é claro, mas no poder e com vastos limites) e pelo
centro que sempre foi o berço do nosso moralismo que diz que vai, mas
não vai antes de saber pra onde a coisa está indo e, por isso mesmo,
emudece porque a sinceridade que iguala é o maior pecado de um sistema
desigual.
- I -
Critique abertamente e não se esconda no anonimato. Seja grosso com
os pulhas que roubam o nosso dinheiro e discorde. Não escolha a
pusilanimidade dominante.
- II -
Contrariando frontalmente a visão geral do escândalo que cobre o
nosso País de egrégios gregos gregários - de Deltas a Demóstenes -,
envolvendo governantes e governados, eu afirmo que quando o bate-boca
ocorre nas altas esferas temos um sinal de lucidez, de democracia e de
progresso. No contexto da hipocrisia nacional, uma discussão entre
ministros do Supremo é algo revolucionário.
Todo tribunal é feito de conflitos, denúncias e busca da verdade.
Exceto no Brasil, onde ainda se tem o direito de mentir e se é obrigado a
engolir choro. São os conflitos verbais que deixam surgir a Verdade com
sua nudez transparente e escandalosa.
Chega de botar a poeira debaixo do tapete em nome de uma ética
aristocrática. Vivemos um momento no qual o igualitarismo rompe nossas
portas e, como um hóspede imprevisto e não convidado, demanda - acima de
tudo - um mínimo de sinceridade. E a sinceridade só surge quando nos
entregamos a forças maiores do que nós. Como foi o caso do ministro do
Supremo que, criticado pelo colega, reagiu numa veemente e histórica
entrevista.
Este manifesto discorda da opinião segundo qual o Supremo fica menor
quando seus membros discordam. Pois o seu autor está absolutamente
seguro ao dizer que quanto mais os agentes públicos ficarem putos uns
com os outros, mais democracia igualitária cairá, como chuva de verão,
sobre todos nós.
O imprevisto é o centro da vida democrática. E o imprevisto maior do
Brasil no qual vivemos é a descoberta do papel do Estado não como fulcro
de igualdade de oportunidades, mas como uma fonte de aristocracia e de
enriquecimento ilícito. Só a baixaria pode liquidar a perversão de
combinar até mesmo as discórdias. Temos de reformar a nossa boa educação
de senhores de engenho que leva à mentira e ao agrado do governante
para pegar o contrato sem discutir mérito ou eficiência. Mesmo - pasmem -
quando isso pode existir. O bate-boca no Supremo não diminui a Corte
magistral. Muito pelo contrário, ele torna essa corte mais honrada e
democrática. O Brasil precisa ser desmascarado e posto a nu para si
mesmo. É hora de ver o fantasma.
- III -
Democracia é partejada por igualdade (todos podem falar, mesmo
errado) e individualismo (todos têm o direito de querer) - esses valores
que produzem conflito. O conflito revela o lado vivo do Supremo
Tribunal Federal. Ele mostra que os nossos supermagistrados são humanos e
suscetíveis de raiva, ressentimento e vingança. Por isso a discussão
não é só mais do que bem-vinda: ela é fundamental.
- IV -
Sem opinião não há sinceridade. A medida da honestidade jaz no que
realmente pensamos de algum assunto ou pessoa. É, pois, imperioso acabar
com as luvas de pelica. Discutir não é ser mal-educado, é afirmar que -
finalmente! - podemos concordar em discordar. O Brasil precisa ver as
suas meias furadas.
- V -
Acabemos com a frescura dos lenços de seda - sejamos igualitários.
Olhemos os fatos que estão nas manchetes e enxerguemos o que dizem. O
bom-mocismo nacional é uma simpatia e uma gracinha, como dizem os
grã-finos, mas é também o modo de obter altos faturamentos não só em
obras, mas em projetos do governo. Essa coisa personalizada e com dono
mas sempre isenta, sempre ausente, sempre vendo o debate como uma
baixaria e, por isso, sempre inocente porque não se mete ou é
responsável por coisa alguma!
Irrompamos respeitosamente com dona mamãe. Ela diz: seja paciente com
o tio Fulano ou com o Dr. Sicrano. Eu vos digo: sejam mal-educados e
profiram o que pensam. O Brasil precisa de bate-boca - esse cerne da
oposição! Mande o professor às favas, denuncie o prefeito, o senador, o
empresário, o chefe e o presidente - caso eles sejam mentirosos,
incompetentes e desonestos.
- VI -
Desvende o Brasil. Seja um mal-educado dizendo o que pensa. Só assim
realizaremos a nossa tão atrasada revolução igualitária, obrigando esta
CPI a promover um desmascaramento geral. Rezemos para que todos botem a
boca no mundo e sejam sinceros. Se isso ocorrer, faremos o inusitado:
não vamos certamente acabar com a corrupção, mas iremos ferir de morte
esta república que aristocratiza seus altos funcionários e torna
milionários os seus sócios. Mal-educados do mundo, uni-vos!
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