Roberto Damatta
Todo escritor é médium. Fala sempre com os mortos e está em contato permanente com as altas (e baixas) esferas quando orienta o seu pensamento para o lado espesso do mundo. É quando exerce mais claramente sua função mediadora ou, como dizia Thomas Mann, lunar. Esse espaço situado entre a Terra e o Sol, alcançável apenas pelo pensamento e pelo destemor de pôr em contato real e ideal, verdade e beleza. Pensar e escrever são como Esaú e Jacó. Gêmeos, eles se fazem em antagonismos e complementaridades que, quase sempre, deixa o coração aos saltos e as mãos trêmulas.
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As altas esferas revelam seus detalhes - just one of those things - brasileiros. O ministro da Justiça, que eu não quero confundir com o Nelson Jobim, diz que é "ridículo" noticiar as férias do ex-presidente Lula e família, num forte do Exército; já o superministro do Exterior, Marco Aurélio Garcia, classifica, arrogante e agressivamente, como "insignificante" revelar que os filhos de Lula têm passaporte diplomático, o tal passaporte vermelho que dá direito a "trazer tudo" - sonho de quem visita os chamados "países adiantados", hoje caricaturas de si próprios. Um outro comentarista diz que esse fato mostra a "vaidade" do ex-mandatário supremo da nação que, pelo visto, continua mandando pra cacete.
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Meu filho desencarnado, ex-comandante da Varig, morto subitamente aos 42 anos, cuja viúva e filhos tiveram a sua pensão sequestrada pelo governo Lula, desce das altas esferas. (Não estou escrevendo à meia-noite, mas numa bela manhã de sábado, o sol entrando alegremente pelas janelas. O espírito do meu saudoso filho se manifesta por meio do meu pensamento e surge cristalino na névoa da minha amargura.)
"Papai, o Brasil não consegue ler a si mesmo, nem com a ajuda dos mortos." O espírito acentua que os "detalhes" dos ritos do poder, revelados com a astúcia e o humor de sempre pelo Luis Fernando Verissimo, lida por meio do seu iPad astral (no Nosso Lar - revela -, além da arquitetura do Oscar e da burocracia do Estado Novo, todos usam produtos da maçã...), teriam que incluir a coroa, pois o que se viu não foi a posse de uma presidente, mas o coroamento de uma rainha, ungida sucessivamente pelos santos óleos do Judiciário, do Legislativo (com direito a discurso de boas vindas do grande Sarney) e, finalmente, do ex-presidente Lula que continua, como se sabe, a ser majestade, conforme confirmam os seus fieis seguidores, dispostos a morrer pelo chefe.
"Papai - reitera -, não deixe de ler o WikiLeaks sobre a Varig. Mas antes disso, eu quero dizer quanto você está certo em ser o primeiro a falar da matriz hierárquica brasileira. Pelo menos é o que ouço do professor Sérgio Buarque de Hollanda, preocupado com a filha no Ministério da Cultura ("tem muita cultura no País", ele me diz, piscando um olho), e de Gilberto Freyre, hoje engajado na leitura de Weber e mortificado por não o ter usado em suas reflexões sobre o Brasil. É essa matriz aristocrática que produz mal-estar e alergia diante da igualdade. Vamos bem quando somos diferenciados, reagimos mal e pulamos a cerca quando voltamos ao mundo dos comuns. Esse mundo que, no Brasil, tem o estigma da inferioridade social. Como você diz, separar o papel da pessoa é um dado básico das democracias liberais. De fato, neste Astral igualitário e tendente à anarquia em que vivo, o que conta, além da ética e do olhar de São Pedro, é um formidável sentido de suficiência e de limite: do que podemos ou não fazer, receber ou pleitear. Quando termina o papel e a lei, entra a ética! Aqui, papai, você estaria em casa! Um beijo e a saudade eterna do filho que te ama muito..."
(Eu me peguei olhando para o sol).
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Em estado de choque espiritual, aquela circunstância que acomete quem fala com as altas esferas, procurei a informação sobre a Varig. Com que clareza o político eleitoreiro aprofundou o câncer da empresa. Com que desfaçatez os protagonistas das altas esferas prolongaram a agonia da Varig, levando-a sucessivamente às unidades de tratamento intensivo, para depois martelar os pregos no seu caixão. E com que avidez suas duas concorrentes entraram - não sem ajuda palaciana e pessoal (que bota de lado os escrúpulos) - no seu mercado e em seu nome tomaram o seu espaço. "Por que um governo liderado por um presidente do Partido dos Trabalhadores deveria subsidiar uma empresa mal administrada que atende a elite (o pobre não tem dinheiro para voar)?", pergunta uma autoridade do governo Lula ao americano tranquilo, cujo despacho vazou no WikiLeaks. Isso em meio ao mensalão que desmascarou o partido que não roubava nem deixava roubar, segundo o mantra de um José Genoino prestes a voltar às altas esferas.
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Dizem que tudo que acontece é porque tem que acontecer. Não poderia ser de outro modo, mas eu, biblicamente, vos digo: não aceitem isso sem reação! Revoltem-se! Ser humano é ser contraditório: é remar contra a corrente. É ir para o lado oposto dos tempos e dos costumes. É não aceitar o destino. O fuzilado grita "viva a vida" ao receber no peito a primeira bala; e o moribundo pensa nos estertores do amor quando seu anjo da guarda, envergonhado, vem buscá-lo. Eu não aceito a morte do meu filho e outras coisas que me aconteceram. Estou cheio de fel? Ledo engano: minha resistência me trouxe energia e compreensão. O não aceitar me fez redescobrir o amor e o detalhe que o Verissimo não percebeu: a coroa de rainha do Brasil que vocês colocaram na cabeça de dona Dilma!
Saravá! E possa eu saber mais e melhor o significado do suficiente!
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