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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pais e filhos

João Francisco Neto
Em décadas passadas, as melhores escolas costumavam exigir que seus alunos lessem bastante. Um dos livros mais interessantes de que me lembro chama-se “Pais e Filhos”, de um autor russo chamado Ivan Turgueniev. Trata-se de um escritor genial do século 19, que só não ficou mais famoso porque teve a infelicidade de ser contemporâneo de dois monstros sagrados da literatura russa: Tolstoi e Dostoievsky. Mas, esse livro relata de forma magistral e muito realista o milenar conflito entre pais e filhos. Assim que foi editada, a obra foi tão mal recebida pela conservadora sociedade da época, que Turgueniev viu-se obrigado a deixar o seu país natal, a então Rússia imperial, debaixo de críticas extremamente hostis.
O fato é que, desde sempre, as novas gerações não se entendem muito bem com os mais velhos e, especificamente, com os pais. Mas, devido ao respeito formal que vigorava nas relações familiares, os filhos, ainda que muitas vezes contrariados, obedeciam às ordens e aos desejos dos pais. Muitos pais se orgulhavam de dizer que criavam seus filhos exatamente da forma como eles próprios haviam sido criados e educados. O tempo passava, as gerações se seguiam, mas não havia muitas mudanças nas relações entre pais e filhos. A regra geral era: os mais velhos falavam, e o mais novos simplesmente obedeciam.
Isso tudo começou a mudar logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando, a partir dos anos 1950, surgiram diversos movimentos de contestação social. Esses movimentos atacavam diretamente a estrutura da sociedade: os jovens passaram a achar que não fazia mais sentido agir como os seus pais; passaram, também, a contestar duramente os valores da sociedade da época, pois queriam mudanças de todos os tipos: no comportamento, nas roupas, na música, etc. Era a chamada “contracultura”, que se voltava contra os valores pré-estabelecidos que, por séculos, a sociedade vinha cultivando e transmitindo aos mais jovens. Na esteira da contracultura vieram o rock’n’roll, o movimento hippie, a liberação sexual, o feminismo, e, por fim, o desmonte e a desconstrução da estrutura da antiga sociedade familiar.
Diante desse turbilhão de mudanças, que mexia com os valores seculares e até milenares, muitos pais e as pessoas das gerações mais antigas não tiveram condições (e nem tempo) para compreender tudo, e outros até entenderam, mas não aceitaram. Se já havia conflitos anteriormente, imaginem agora, diante dessa ruptura comportamental por parte dos mais jovens. Depois que a sociedade começou a mudar, não parou mais e até hoje vemos mudanças que ainda surpreendem os pais.
Atualmente, em muitas casas, há um verdadeiro abismo entre pais e filhos. Esses, os filhos, reclamam que seus pais vivem em outro mundo, que estão “por fora”, que “não têm nada ver”, e por aí vai. Os pais, acuados, ressentidos e perplexos, não sabem o que fazer. Aliás, hoje em dia, muitos pais se sentem meros provedores da casa, isto é, tudo fazem por seus filhos, para proporcionar-lhes de tudo o que necessitam (e até do que não necessitam); mas, ainda assim, percebem que isso não é o suficiente, e o distanciamento e os conflitos continuam.
Em geral, todos os pais conhecem profundamente os seus filhos; mas os filhos raramente conhecem bem os pais. Quando os filhos chegam a conhecer e entender os pais, infelizmente já é muito tarde: ou os pais já estão muito velhos, ou todos já estão velhos, e aí ficará o gosto amargo do tempo perdido, dos desentendimentos por pequenas coisas que poderiam ser facilmente superadas; enfim, é o tempo passado que não volta mais, e as coisas que fizemos ou falamos e que não podemos mais consertar.
João Francisco Neto
Fiscal da Fazenda de SP e doutor em Direito (USP)

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