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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Nada disso nos espanta

Do juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, de Recife, sobre o post intitulado "STJ: eleição de pessoas amigas em listas fechadas", a propósito das afirmações da ministra Eliana Calmon sobre os critérios de escolha para aquele tribunal superior, no Blog do Fred Vasconcellos, da Folha:
Esse foco traduz uma cultura antiga, muito antiga mesmo, contra a qual vimos lutando e denunciando durante a nossa judicatura inteira, mas em vão.
Por isso, não posso deixar de admitir que todos os juízes sabemos muitíssimo bem desses corporativismos no meio em que atuamos - sem perspectiva de mudanças, e a despeito da clara violação ao art. 37, caput, da Constituição Federal, aquele famoso, que fala da impessoalidade do serviço público, enfim, da separação entre Estado e a pessoa do servidor- mas não nos enredamos desde a raiz desses problemas porque isso é arriscado demais para as nossas carreiras e ninguém vai oferecer o próprio pescoço à faca pelo que se pode considerar, egoisticamente, como tão pouco.
A maioria silenciosa reconstrói a cada instante a situação que traduz, por isso, um verdadeiro círculo vicioso de temibilidades que não combina com a natureza dos serviços que prestamos à sociedade e muito menos com a dignidade funcional de agentes públicos judiciários.
Acredita-se firmemente que está tudo dominado em nosso meio e não é fácil duvidar que não existe democracia entre nós.
Aliás, quem disser que há uma conspiração do cinismo no meio judicial brasileiro, ninguém vai mesmo duvidar.E já que nem as associações de classe (braços corporativos dos tribunais, sobretudo para quando precisam medrar na área privada) e nem os magistrados - por medo, cooptação ou ingenuidade - farão alguma coisa realmente eficaz para mudar essa situação, parece fundamental que a sociedade conheça esses subsistemas que, em síntese, funcionam melhor do que o sistema legal vigente e os princípios constitucionais nos quais esse sistema está assentado.
Tem sido assim desde que a República brasileira se estabeleceu, construída sob uma plataforma colonial-imperialista que em nosso momento histórico adquire o formato de um corporativismo setorial (subespécie ainda mais elitizada de corporativismo clássico).
Assim, mudam-se os personagens, mas o esquema continua e é o mesmo.
A ministra Eliana Calmon é aquela que, pela primeira vez na vida institucional brasileira, admitiu publicamente que os juízes passamos o "pires" aos políticos para subirmos em nossas carreiras, onde quer que elas estejam situadas na pirâmide do Poder Judiciário. Curioso, não fosse trágico e também autofágico!
A ilustre ministra mesma reconheceu que só chegou lá por causa da decidida contribuição do então Senador ACM. Isso foi dito durante sua sabatina no Senado Federal para tomar posse no cargo que atualmente exerce e o faz com muita coragem moral e também com superior competência funcional.Fazer o quê? Nada disso se nos espanta ou causa espécie.
É a trágica realidade de nossas instituições judiciárias e a razão pela qual os melhores não sobem, não são alçados aos postos de maior evidência, não contribuem para a formulação das políticas públicas internas, e fica tudo como sempre esteve, sem horizontes, sobretudo no que se refere às carreiras judiciárias.A oxigenação do sistema político depende da mudança real de seus quadros, o que envolve transferência de pensamentos e de experiências.
Todos os magistrados que revelam alguma independência são rigorosamente escanteados, acaso não decidam aceitar cooptação àquele sistema que a ilustre ministra vem denunciar com precisão cirúrgica. Ou que a ele não ofereça a menor resistência. Todos esses magistrados que ao contrário se conduzem, costumam ser demonizados no próprio meio em que atuam e é comum que sofram toda sorte de hostilização e de tratamento discriminatório.
É preciso muito estômago para continuar pelejando em um ambiente que se esmera pelo assédio moral sistemático, crescente e sem paradeiro. Há quem diga que a Administração da Justiça no Brasil é máquina de produzir enfartados.Triste, muito triste, sobretudo porque tudo isso tende a refletir, ao fim e ao cabo, na prestação jurisdicional da primeira à última instância.
Somos o que cultivamos!
Que a crítica da desassombrada ministra Eliana Calmon sirva de estímulo a que todos e cada qual nos animemos a consultar a própria consciência acerca de tudo isso e contribuir para a mudança dos atuais paradigmas que não convêm à democracia brasileira e nem se afirmam como rotinas de fato republicanas.

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