A "ecologia humana" de Bento XVI

As declarações do papa Bento XVI a respeito do homossexualismo não chegam a ser surpreendentes, embora destoem do recente apoio proclamado peloVaticano à sua descriminalização - esta apenas aparentemente paradoxal, porque, sendo contra a pena de morte, só poderia mesmo defendê-la, inclusive pelo fato de, atualmente, a Igreja Católica não considerar o homossexualismo um pecado em si, mas somente a prática homossexual.

A proibição do sexo fora do casamento e da união de casais homossexuais explica a aparente contradição, bem como a doutrina de Santo Tomás de Aquino, do século XIII, de que Deus criou a genitália exclusivamente para a reprodução.

Mas uma coisa é a oposição, praticamente inócua, ao sexo antes do casamento, e outra, muito grave por seu conteúdo de intolerância, é essa declaração estapafúrdia, especialmente pelos termos empregados, de Bento sugerir que "salvar a humanidade do comportamento homossexual ou transexual é tão importante quanto salvar as florestas da destruição".

"As florestas tropicais merecem a nossa proteção. Mas o homem, como criatura, não merece nada menos (do que isso)"."É necessário um tipo de ecologia do homem".

O papa criticou a teoria de gênero, que considera que as diferenças biológicas desempenham um papel relativamente pequeno nas diferenças reais entre homens e mulheres. Essa teoria, rejeitada pelo Vaticano, diz que a maioria das diferenças são questões não de sexo mas de gênero, e são formadas e cultivadas socialmente.

Esta teoria é defendida por grupos gays e transexuais como chave para a tolerância, de acordo com o correspondente da BBC em Roma, David Willey.

O papa afirmou que tornar menos clara a distinção entre masculino e feminino pode levar à "destruição da raça humana".

Um absurdo, inaceitável vindo mesmo de pessoas menos esclarecidas, que dirá saindo da boca do papa? Vivemos em um mundo onde a intolerância tem gerado guerras, inclusive religiosas, como as "jihads" islâmicas. Não é preciso acrescentar mais lenha à fogueira. Ao contrário, uma autoridade eclesiástica como o papa deveria pregar a tolerância, a compreensão e a aceitação das diferenças.

Já bastam as proibições ao uso de preservativos, nesta época de disseminação de doenças venéreas cada vez mais graves a agressivas.

Dogmas são perigosos e causam vítimas com maior freqüência do que se imagina. Exemplo disso, a respeito da Aids/Sida, é o caso da África do Sul, onde a crença do ex-presidente Thabo Mbeki de que a doença poderia ser curada com uma mistura de alho e outras coisas, em vez do coquetel antiviral, em que pesem as veementes evidências científicas da eficácia destes últimos, causou a morte de mais de 300 mil pessoas que não puderam ser adequadamente tratadas.

Pois o dogma da heterossexualidade da Igreja Católica é igualmente perigoso quando rotula pessoas e tenta excluí-las da sociedade, à estranha maneira de uma "ecologia humana".