*José Nêumanne
Temer e Moraes voam como baratas tontas e governadores, Justiça e
Congresso não ajudam
O Estado
brasileiro está sendo posto contra a parede: ou intervém e ocupa o sistema
presidiário ou abre mão de controle e poder sobre parte do território do País.
Não se trata mais de um caso de segurança pública, mas de defesa nacional.
Documentos e
conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público
(MP) revelam a facilidade com que uma das 27 facções criminosas em guerra nos
presídios, o Primeiro Comando da Capital (PCC), vem conseguindo celulares e
ordenando crimes dentro de presídios em Roraima desde 2014. Então, a Operação
Weak Link, da PF, devassou-a no Estado. Além disso, exige a saída de rivais da
cadeia – o que teria motivado a fuga de pelo menos 145 detentos. Investigadores
do combate ao crime organizado acompanham o crescimento do PCC em Roraima há
pelo menos cinco anos. Isso é pouco?
A notícia,
publicada no Estadão, revela que a presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, tem toda a razão em pedir ajuda do Poder
Executivo para que se faça um censo carcerário urgente e indispensável, capaz
de contar quantos presos há de fato. Ela foi avisada pelo presidente do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paulo Rabello de
Castro, de que os dados que têm sido citados não são confiáveis. De fato, urge
revelar quem está preso e por quê. Em seguida, reassumir o comando sobre as
celas. Para tanto, antes de construir novos presídios e bloquear celulares nas
cadeias, será necessário recriar um órgão de inteligência decente, inexistente
desde o desmonte do Serviço Nacional de Informações (SNI) promovido por Collor.
E com agentes infiltrados nos presídios. Sem isso não dá para saber o que na
realidade acontece nas prisões nem como são planejadas e executadas tais
carnificinas.
Dominadas
pelo crime, as penitenciárias estão fora da lei. O preso precisa voltar a ser
tratado como indivíduo, e não como membro de um bando ou quadrilha em luta
dentro do presídio. Se a lei não for imposta, o Estado perderá essa guerra.
Infelizmente,
o voo de baratas tontas dos mandachuvas do Executivo sobre a barbárie reinante
nas penitenciárias Anísio Jobim, Monte Cristo, Pedrinhas e muitas outras em
territórios sob sua jurisdição impede que o governo federal sequer pareça ter
percebido o que, de fato, acontece. O presidente Michel Temer levou quatro dias
para falar da tragédia em Manaus e quando falou cuspiu no bom senso anunciando
“solidariedade governamental” para evitar mais um “acidente pavoroso”. Diante
de cabeças decepadas e exibidas ao mundo estarrecido, reagiu como se estivesse
comentando a nuvem tóxica de Cubatão ou as tempestades de verão que desabaram
no Rio Grande do Sul na semana passada.
Em vez de
acompanhar Cármen Lúcia em Manaus, onde ela se reuniu com desembargadores,
juízes e procuradores, Temer recusou-se a deixar Brasília, como se tivesse medo
de enfrentar a dura realidade que o esperava nas celas do Compaj. A menos de
uma semana do primeiro massacre, Temer foi a Esteio (RS) entregar ambulâncias e
a Lisboa para o enterro de Mário Soares. Sem antes repreender seu amigo
ministro da Justiça, que deu seguidas provas de incapacidade de exercer o
cargo. Alexandre de Moraes foi ao Amazonas e repetiu seu mantra de
ex-secretário de Segurança de Alckmin, segundo quem a imprensa exagera a
importância e o poder de fogo das facções criminosas.
A reação de
Moraes ao massacre na penitenciária agrícola de Roraima foi ainda mais
patética. Ele desmentiu a governadora Suely Campos, que disse ter-lhe pedido
ajuda para evitar a tragédia, em ofício de novembro. Exposto, o documento
desmentia seu desmentido e ele tergiversou, argumentando que ela não teria
especificado o sistema prisional. Diante da exibição pública de seu novo
engano, reconheceu o erro crasso e seguiu em frente. Não pediu desculpas nem
seu chefe o repreendeu pelas falhas.
Com seu
plano nacional de paliativos repetitivos, Moraes desafia o lugar-comum de que
tal tema é dever constitucional de Estados, e não da União. O ex-presidente do
STF Carlos Ayres Britto e o constitucionalista Oscar Vilhena argumentam que o
problema deve ser encarado por governo federal e Estados em conjunto. O
relevante agora é construir um pacto federativo que atenda ao interesse maior
da sociedade: paz nas celas e nas ruas.
A Justiça
também teria de aderir a esse pacto, propondo-se a fazer muito mais até do que
Cármen Lúcia tem feito até agora. Desocupar prisões superlotadas com condenados
que não pagaram pensão alimentícia aos filhos – providência tomada em Roraima,
abrindo 161 vagas – devia ser uma espécie de ponto de partida para a Justiça
participar do mutirão nacional pela retomada do poder nas cadeias.
Juízes e
promotores devem à sociedade a obrigação de fiscalizar os presídios. E, além
disso, perdem completamente a autoridade de exigir medidas contra a corrupção
por não apoiarem o Legislativo em mudanças do Estatuto da Magistratura, mercê
do qual a desembargadora Encarnação das Graças Salgado, acusada pela PF de
prestar serviços à Família do Norte, está recebendo R$ 65 mil de proventos
mensais. E não sofreu punição alguma. Urge combater a corrupção de
colarinho-branco. Mas promotores e juízes precisam respeitar as mesmas leis,
como os cidadãos que eles acusam e julgam.
O Congresso
(em recesso) deveria integrar esse mutirão para enfrentar este caos absurdo e
apavorante de degolas em cadeias e a omissão conivente dos juízes. Os
representantes do povo precisam cumprir o dever constitucional de vistoriar
presídios. E produzir leis para eliminar privilégios de juízes e promotores que
ganham acima do teto, além de punir quem vende sentença ou presta serviços ao
crime. Essa omissão é grave falha de responsabilidade. O Congresso só se ocupa
dos próprios interesses corporativos e este é um imperdoável crime de
lesa-pátria.
*Jornalista,
poeta e escritor
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