José Nêumanne
A democracia não é ameaçada por militares nem pelo povo,
mas por quem jurou defendê-la
Esqueça comunismo, socialismo, bolivarianismo ou
populismo. Tudo isso serve apenas de lorota retórica para engabelar o povo. O
que o Partido dos Trabalhadores (PT) e aliados executaram em 13 anos e três
meses no poder na República foi um crime comum planejado e executado com frieza
e cálculo. E justificado com mantras ideológicos para manter vivo o fervor da
militância. A Operação Carbono 14, 27.ª fase da Lava Jato, que completa dois
anos de profícua existência, prova também que os casos Celso Daniel, mensalão e
petrolão não foram isolados, mas um escândalo só: o maior assalto aos cofres
públicos, como nunca antes havido na História deste país. Quiçá do
mundo!
Há quem diga que as instituições do Estado Democrático
de Direito estão funcionando normalmente no Brasil. Graças a Deus! Mas será que
estão mesmo? Até este momento as aparências mostram que sim. Mas, como dizia o
título de uma coluna do chargista Carlos Estêvão na extinta revista O
Cruzeiro, “as aparências enganam”. É. Pode ser. Até agora, a força-tarefa,
composta por agentes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal
(MPF), tem produzido uma surpreendente devassa da compra de dirigentes
políticos, empresários de peso e burocratas antes intocáveis e esta mostra o
pleno funcionamento da Justiça. A confirmação das decisões do juiz federal
paranaense Sergio Moro por tribunais superiores reforça tal impressão. Mas não
será apenas uma impressão?
Os impropérios públicos contra a atuação independente
dessa fração do Poder Judiciário proferidos pela presidente da República, pelo
maior líder (e sua principal base política de sustentação) e por dirigentes,
parlamentares e militantes do partido deles, contudo, ameaçam a continuidade e
efetividade da operação. Já se comenta abertamente nos meios de comunicação a
possibilidade da anulação de seus atos por impugnação de algum deslize do juiz,
como ocorreu antes na Operação Castelo de Areia, por
exemplo.
Ora, direis, isso são apenas conjecturas. Pois o povo na
rua prestigia o desempenho de policiais, procuradores e do juiz, mantendo
eventuais desafetos de seu trabalho sob pressão. Mas na República não vigora o
lema de grevista segundo o qual “o povo unido jamais será vencido”. Ainda que o
trabalho da “república de Curitiba” seja aplaudido e defendido por 90% da
população, segundo o Instituto Ipsos, isso não bastará para mantê-lo. Ele
precisa do suporte das instâncias superiores do Judiciário e, embora esteja
sendo confirmado, já começa a receber alguns avisos bastante claros da mais alta
delas, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões que podem significar
“devagar com o andor, que o santo é de barro”.
De qualquer maneira, as últimas notícias não deixam
dúvidas quanto à evidência de que o aparelhamento do Poder Executivo pelos
partidos governistas, principalmente o da “chefa” do governo, não se limita mais
à ocupação dos cargos nas repartições públicas e nas estatais, sem a qual o
gigantesco assalto não teria sido possível. Agora atingiu o topo. Apoiada na
máquina pública aparelhada e na vitória apertadíssima no pleito de 2014, a
militante Dilma Vana Rousseff Linhares passou a ocupar a sede do poder
republicano, o Palácio do Planalto, como se fosse um aparelho de seus tempos de
guerrilheira Estela, reunindo massas fanáticas que berram palavras de ordem
provocadoras como “não vai ter golpe”.
E pior, “vai ter sangue”! Fazendo coro a gritos de
guerra puxados pela alterada ocupante temporária do próprio público, a
militância agrediu e expulsou o deputado Major Olímpio (SD-SP) de uma posse de
ministros. Os presidentes da CUT, Vagner de Freitas, e do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, ameaçaram se armar para
defender a permanência da chefe no governo. O secretário de Comunicação, Edinho
Silva, falou em cadáver.
Para animar plateias que se dispõem a ouvir suas arengas
a “presidenta” manda Montesquieu às favas agredindo o Legislativo e o
Judiciário, como se estes tivessem a obrigação de concordar com ela, com a
afirmação que afronta a lei “impeachment é golpe”, agora acrescentada da
pretensa atenuante “sem provas”.
Dilma ainda vai além: o palácio que virou aparelho e,
depois, auditório para resistência sindical está sendo usado como brechó de
quinta categoria. Nele a adesão de parlamentares à manutenção a qualquer custo
do resto de mandato de Dilma está sendo alugada com dinheiro do contribuinte.
Primeiramente, ela fez ouvidos de mercador à crise ética, permitindo por omissão
o assalto desmesurado ao patrimônio público, que levou ao empobrecimento da
Petrobrás e à recessão. Isso tudo gerou a maior crise econômica da História. E,
então, resolveu esvaziar o caixa para ficar com a chave
dele.
O parágrafo anterior descreve a desmoralização do Poder
Legislativo, que representa a base da democracia, por ser o poder do cidadão.
Mas o crime impune descrito é apenas uma das demonstrações da ameaça à higidez
dessa instituição basilar do Estado Democrático de Direito. Pois ainda salta aos
olhos da multidão a degeneração das casas de leis presididas por parlamentares
investigados em vários casos criminais.
A lerdeza torna-se sinônima de leniência do Judiciário,
que o cidadão constata comparando dois números: 67 condenados em 17 processos na
primeira instância e nenhum político com foro privilegiado punido na forma da
lei na instância final. E o Supremo Tribunal tem também seu prestígio
institucional arranhado pela corrida de seus membros rumo à luz dos holofotes e
à proximidade dos microfones dos meios de comunicação.
Nem quartéis nem ruas ocupadas pelo povo ameaçam o
funcionamento das instituições. Mas, sim, seus ditos guardiões que, em vez de
fortalecê-las, as usam para se manter no topo e ficar à sombra e água fresca de
paraísos fiscais.
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag. A2
do Estado de S. Paulo na quarta-feira 6 de março de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário