José
Nêumanne
Ao
falsificar Curriculum Lattes, natureza da democracia e história, Dilma fica no
poder
Em
2009, já escolhida pelo então chefe, Luiz Inácio Lula da Silva, para lhe suceder
na Presidência da República, Dilma Rousseff teve registrada no currículo
oficial, divulgado no site da Casa Civil, que chefiava, sua condição de mestre
(master of science) e doutora (Ph.D.) em Ciências Econômicas pela
Universidade de Campinas (Unicamp). Pilhada em flagrante delito pela revista
Piauí, ela reconheceu que não era nada disso. E mandou corrigir seu
Curriculum Lattes (padrão nacional no registro do percurso acadêmico de
estudantes e pesquisadores, adotado pela maioria das instituições de fomento,
universidades e institutos de pesquisa do País), que informava ter ela cursado
Ciências Sociais.
Falsificar
Curriculum Lattes equivale, na Academia, a usar um falso diploma de médico.
Cobrada, Dilma justificou-se: “Aquela ficha do Lattes era de 2000. Eu era
secretária de Minas, Energia e Telecomunicações no Rio Grande do Sul. Eu não
tinha mais nenhuma vida acadêmica. Eu era doutoranda porque eu não tinha sido
jubilada, era doutoranda. Ao que parece eu fui jubilada em 2004, mas não fui
comunicada”.
Do
episódio se conclui que, pelo menos desde então, Dilma tem mantido hábitos que
se mostraram recorrentes nas duas eleições presidenciais que disputou (em 2010 e
2014) e nos mandatos que nelas obteve. Um deles é conjugar verbos
repetitivamente na primeira pessoa do singular. Outro, recusar-se a assumir a
responsabilidade pelos próprios erros. Para ela, a culpa era do Lattes, não
dela. Já no dilmês tatibitate, ao qual o País se acostumaria nestes tempos, ela
se eximiu da falsificação do documento. Quem falsificou seu currículo? Ela mesma
nunca se interessou em saber e denunciar. Nem explicou como pagou créditos de
doutorado sem ter apresentado dissertação de mestrado, como é praxe. Esta,
contudo, é uma mentira desprezível se comparada com outro acréscimo que fez a
sua biografia: o da condição de heroína da democracia, falsificando o conceito
básico que definiria o objetivo de sua luta.
Ela
combateu, sim, a ditadura, ao se engajar num grupo armado de extrema esquerda de
inspiração marxista-leninista, o VAR-Palmares. Sua atuação está confirmada em
autos de processos na Justiça Militar, em que foi acusada de subversão e prática
de atentados terroristas. E foi narrada em detalhes por Carlos Alberto Soares de
Freitas, o Beto, que a delatou em depoimento mantido no arquivo digital de O
Globo
(oglobo.globo.com/politica/confira-integra-do-depoimento-de-beto-dado-em-1971-2789754).
Dilma mente porque, como atestam ex-guerrilheiros mais honestos, eles não
lutavam por uma democracia burguesa, mas, sim, pela “ditadura do proletariado”
de Marx, Lenin, Stalin, Pol Pot, Mao e dos Castros.
Na
campanha pela reeleição, que ela empreendeu em 2014, Dilma parecia padecer de
uma compulsão doentia à mentira. No palanque, ela prometeu o Paraíso de
Milton e já nos primeiros dias do segundo governo, este ano, começou a entregar
a prestações o Inferno de Dante. No debate na Globo com Aécio
Neves, do PSDB, que derrotaria nas urnas, ela sugeriu à cearense Elizabeth
Maria, de 55 anos, que disse estar desempregada, apesar de seu diploma (não
falsificado) de economista, que procurasse o Pronatec. Em 2015, esse carro-chefe
da propaganda engendrada pelo bruxo marqueteiro João Santana, o Patinhas, terá 1
milhão de vagas, um terço das do ano passado. E, em sua Pátria Enganadora (que
“Educadora”?), foram cortados R$ 2,9 bilhões das escolas
públicas.
Este
é apenas um dos exemplos da terrível crise econômica, política e moral, com
riscos de virar institucional, causada pela desastrada gestão das contas
públicas em seu primeiro mandato, em especial no último ano, o da eleição, Em
2014 viu-se forçada a violar a Lei da Responsabilidade Fiscal, cobrindo rombos
nos bancos públicos para pagar programas sociais, como seria reconhecido até por
seu padim Lula.
Tudo
isso põe no chinelo os lucros do falsário Clifford Irving, causador de imensos
prejuízos no mercado das artes plásticas e que terminou virando protagonista de
Orson Welles no filme Verdades e Mentiras. Não dá para comparar milhares
de dólares perdidos na compra de obras de arte falsas com a perda de emprego por
mais de 1 milhão de brasileiros em 12 meses nem a empresários fechando suas
empresas.
Os
dois só se comparam porque neles falsificar é meio de vida – jeito de obter um
emprego e se manter nele. Na Suécia, onde começou a semana, Dilma fez seu
habitual sermão da permanência doa a quem doer (e como dói!). Questionada se
havia risco de os contratos que assinou serem anulados por um sucessor que
capitalize a crise criada por seu desgoverno, afirmou: “O Brasil está em busca
de estabilidade política e não acreditamos que haja qualquer processo de ruptura
institucional”. A imprecisão semântica serve à falsificação da realidade - não
como método, mas como ofício. Se se busca estabilidade, estabilidade não há. Não
é necessária ruptura institucional para ela cair.
E
ontem ela atingiu o auge do desprezo à inteligência alheia ao repetir a madrasta
da Branca de Neve em frente ao espelho, num delírio de falsidade e má-fé: “O meu
governo não está envolvido em nenhum escândalo de
corrupção”.
Os
jardineiros de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, pintavam de
vermelho rosas brancas que plantaram em vez de vermelhas, que a Rainha de Copas
os mandara plantar. Quem apoia a alucinação obsessiva de nossa Rainha de Copas
falsária 150 anos após a publicação da obra – “depô-la é golpe” – não tem
memória. Pois ignora que o que ela tenta é alterar a cor da História: o primeiro
presidente eleito pelo voto direto depois da ditadura, Fernando Collor, hoje
investigado por corrupção, foi deposto por impeachment e substituído pelo vice,
Itamar Franco, por quem ninguém dava nada, mas que nos libertou da servidão da
inflação. O resto é a falsidade de ofício dela.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado
na Pag2A do Estado de S. Paulo na quarta-feira 21 de outubro de
2015)
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