José Nêumanne
Por que TSE
autorizou Pros e Solidariedade a funcionar sem checar se assinaturas são
válidas?
Nada há a
contestar na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de negar registro ao
Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, de vez que não lhe foi apresentado o
número mínimo de assinaturas de apoio de eleitores aptos a votar exigido pela
legislação eleitoral. Nada justificaria que o tribunal passasse por cima da lei,
pois sua função é exatamente garanti-la.
Os políticos – e
a ex-senadora acriana é um deles, queira ou não queira, tenha ou não tenha outra
imagem perante a população – deveriam saber que a democracia é o império da lei
e a normal legal precisa ser cumprida também por eles, que a debatem, votam e
aprovam. Marina teve 20 milhões de votos na última disputa presidencial, em
2010. Desde as manifestações de junho, seu nome aparece como a mais viável opção
contra a provável reeleição da presidente Dilma Rousseff, que encabeçará uma
chapa de muitas legendas, a começar pelas duas maiores, o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). E
daí? Isso não a torna isenta de cumprir obrigações legais trabalhosas e
complicadas: as assinaturas e os Estados onde elas podem ser obtidas e um
prazo.
Faltou o mínimo
de competência e sobrou bastante negligência à ex-senadora na coleta das 492 mil
assinaturas em nove Estados e, por isso, ela chegou ao prazo fatal, sábado
passado, sem tê-las em mão. Não adianta reclamar nem pôr a culpa nos outros.
Desde que se desentendeu e saiu do Partido Verde (PV), pelo qual se candidatou à
Presidência em 2010, ela teve tempo de sobra para conseguir mais do que o
necessário. É certo que sem máquina burocrática federal ou estadual, sem
estrutura profissional de apoio para conduzir o processo e sem boa vontade dos
políticos com os quais concorre, ela teria dificuldades. A estas se somaram, de
acordo com seu depoimento (que não pode ser considerado insuspeito), a má
vontade e a lerdeza burocrática dos cartórios nos quais teria de registrar as
assinaturas exigidas pela lei.
Os governistas
tentaram interpor um obstáculo casuístico à sua pretensão na forma de um projeto
de lei criado apenas para dificultar a criação de novas legendas partidárias. A
oposição, normalmente desatenta e pouco propícia a enxergar qualquer coisa além
dos muros de seus quintais, conseguiu, com o apoio do baixo clero silencioso e,
ao contrário dela, atento aos próprios interesses, evitar a aprovação por
urgência urgentíssima da providência que, em outras condições de temperatura e
pressão, seria bem-vinda para evitar o caos partidário que enfraquece a
democracia no Brasil. Mas nem isso lhe serviu de alerta para redobrar os
esforços para obter o registro no TSE.
Em vez de fazer
uma autocrítica sincera da própria negligência, Marina preferiu atacar os
cartórios. Ora essa, cartórios são cartórios e não foram criados para
simplificar o complexo, mas para complicar o simples. Não é à toa que cartorial
é um termo que carrega um significado nefasto, que designa maçada, delonga,
adiamento. Se, como denunciou, cartórios do ABC dos metalúrgicos do PT agiram de
má-fé com ela, por que não os denunciou na Justiça nem mobilizou os militantes
da Rede para atazanar a vida deles? Ora, ora, como dizia minha avó, desculpa de
cego é feira ruim e saco furado.
Apesar disso
tudo, convém advertir que são controversas, sim, as decisões do TSE a respeito
das duas novas legendas partidárias que aumentaram de 30 para 32 o número dos
partidos políticos em atuação no Brasil. Ao aceitar como boas assinaturas de
apoio contestadas pelo Ministério Público, algumas entre elas suspeitas de serem
de mortos, a Justiça Eleitoral lavou as mãos como o cônsul romano Pôncio
Pilatos. Por que decidir a questão para não perder o prazo de 5 de outubro para
a criação do Partido Republicano da Obra Social (PROS) e do Solidariedade? Por
que não dirimir tais suspeitas?
A presidente do
TSE, Cármen Lúcia, ao anunciar a negação de registro ao Rede, lamentou. Por quê?
Nada a lamentar. A política é um jogo que se joga com regras preestabelecidas e
a própria perdedora deixou claro que logo terá um partido para chamar de seu. Em
vez de lamentar o inexorável, o tribunal podia explicar por que aceitou
assinaturas suspeitas. Que hecatombe sofreria o País se o PROS e o Solidariedade
não fossem autorizados a negociar seu apoio nas eleições de 2014? O benefício da
dúvida a favor do acusado de fraudar assinaturas põe em dúvida o julgamento do
tribunal.
O TSE orgulha-se
muito da implantação da urna eletrônica, como se esta fosse a decretação
automática do fim da fraude eleitoral no Brasil. O gato escaldado Leonel Brizola
tinha dúvidas sobre isso desde que os bicheiros da Baixada Fluminense e os
militares do regime tentaram tomar-lhe à força a primeira eleição direta para o
governo do Estado do Rio, após ter voltado do exílio. Seria paranoia dele? Ao
aceitar assinaturas suspeitas para criar dois partidos que para nada servem, a
não ser para distribuir dinheiro público e tempo em televisão e rádio às
vésperas de eleições pelos bolsos de seus fundadores, a Justiça Eleitoral
restaura duas fontes de fraude do tempo dos coronéis: a eleição de bico de pena
da República Velha e os eleitores-fantasmas que assombraram a democracia
brasileira até o fim do século passado.
Sebastião Néri,
em sua hilariante coletânea de casos folclóricos, narra a história do coronel
Chico Braga, do Vale do Piancó, no sertão da Paraíba, onde a proximidade do
Ceará e o controle dos atestados de óbito no cartório permitiam inflar o
eleitorado. Balançando-se numa rede no alpendre de sua casa, o coronel ouviu o
apelo para que fosse votar antes do fechamento das urnas. “Co’os diachos,
menina, já votei cinco vezes hoje e ainda querem que eu vote?”, disse à moça que
o embalava. Ele morreu, mortos não votam, mas será que podem ajudar a fundar
partidos?
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag. 2A do Estado de S. Paulo de 9 de outubro de 2013)
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