José
Nêumanne
Maior risco para
reeleição de Dilma é a moeda derreter e a economia desabar
Nunca, desde
sempre, a expressão “óbvio ululante”, cunhada por Nelson Rodrigues, foi tão
exata quanto neste sábado, quando a presidente Dilma Rousseff foi vaiada pela
torcida presente à estreia da seleção brasileira na Copa das Confederações, na
“arena” Mané Garrincha, em Brasília. “Qualquer político que fosse anunciado no
estádio receberia vaias”, concluiu, em raro rasgo de lucidez, o líder do Partido
dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, José Guimarães (CE), irmão do
ex-guerrilheiro, ex-presidente nacional petista e réu condenado por corrupção e
formação de quadrilha no processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), José Genoino. E na ocupação da Avenida Rio Branco, no Rio, anteontem, à
noite - imagem de grande impacto e significação.
De fato,
torcedor de futebol não tem muita paciência com político que dá uma de papagaio
de pirata em estádio, tentando tirar sua casquinha da paixão dele por seus
ídolos, seja de clube, seja especialmente da seleção. O cidadão pode até fazer
parte da Pátria “em” chuteiras (assim batizada por Nelson) – e não “de”
chuteiras, como parodia equivocadamente oportunista anúncio oficial veiculado em
rádio e TV durante a Copa da Fifa, disputada no Brasil. Mas nunca perdoa
demagogia barata feita para tirar proveito de sua paixão, principalmente depois
de suar em bicas para pagar o ingresso caro do jogo.
De qualquer
maneira, não deixa de ser tentador relacionar os apupos à queda de oito pontos
porcentuais na popularidade e de sete na intenção de votos da chefe do governo,
favorita para a reeleição em 2014. Os índices apurados ainda lhe garantem a
vitória no primeiro turno, mas a tendência de queda não deve estar sendo
comemorada no Palácio do Planalto. E mais tentador ainda é situar as vaias de
Brasília no panorama de ocupação das ruas de 12 metrópoles brasileiras pela
manifestação de insatisfação generalizada da multidão, que teve os canais de
debate político interditados nesta democracia unívoca do PT e seus
aliados.
Sem causa
aparente pela qual lutar, mas trazendo às ruas uma pauta de queixas que os
governantes e opositores fingem ouvir, mas para as quais ambos os lados do
sistema político fechado e impermeável aos interesses da cidadania fazem ouvidos
de mercador, os manifestantes reclamam de praticamente tudo, com razão e
justiça. No Twitter, o autor de novelas da Globo Aguinaldo Silva estranhou que
as pessoas saiam às ruas para reclamar de um reajuste de menos da metade da
inflação do período depois de conquistarem poder de compra para adquirir bens de
consumo de valor bem superior, por exemplo, aos 20 centavos a mais nas passagens
dos coletivos na capital paulista.
É. Pode ser.
Mas, em primeiro lugar, convém levar em conta a observação feita pelo aclamado
marqueteiro Duda Mendonça, um dos réus absolvidos do mensalão, em entrevista à
Folha de S.Paulo de domingo. “As pessoas se habituam com as conquistas.
Na hora que sentem que qualquer coisa mexeu, esquecem um pouco tudo de bom que
ganharam. Querem mais”, disse ele, prevendo risco na disputa de um segundo turno
no ano que vem, particularmente se o adversário for o ainda aliado Eduardo
Campos, governador de Pernambuco e dono do Partido Socialista Brasileiro
(PSB).
Esse é um lado a
considerar, mas há outro ainda mais grave. E os aliados com que a presidente
mais conta para ficar no posto máximo percebem muito bem isso. Depois das vaias
no Mané Garrincha, o contestado, mas poderoso, líder da bancada da segunda
legenda na coalizão governamental, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), acertou na mosca ao
constatar: “Estamos tendo um movimento de reação à inflação. O que o governo tem
de fazer é trabalhar para combatê-la”. O risco é a moeda derreter e a economia
desabar.
Qualquer um sabe
que a sorte de Dilma na sucessão depende da mesma receita que reelegeu seu
patrono, Luiz Inácio Lula da Silva, e garantiu a própria ascensão ao topo do
pódio sem nunca ter disputado cargo algum antes. A análise de Affonso Celso
Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), na entrevista das páginas amarelas
da Veja, aponta com lucidez nessa direção. “Estamos presos na armadilha
do crescimento baixo”, diagnosticou. E identificou o nó górdio na corda que
precisa ser decepado para libertar o brasileiro da prisão: “A inflação está em
alta. Há um aumento generalizado. Os reajustes no setor de serviços mantêm-se
acima de 8% ao ano. É um quadro grave”.
Dilma e seu
ministro Guido Mantega na certa darão atenção ao alerta de Duda Mendonça, mas
dificilmente levarão a sério o do professor da Universidade de São Paulo (USP) e
o do aliado fluminense prevendo dificuldades na economia por culpa da inflação.
Poderiam atentar mais para o instinto de sobrevivência de Cunha e saber que
Pastore não fala muito e só avisa quando tem certeza.
A presidente
faria bem se contivesse o oportunismo de subordinados que buscam levar vantagem
eleiçoeira dos acontecimentos inculpando adversários sem sequer saberem de que
se trata. A cúpula federal nada sabe, como reconheceu o ministro Gilberto
Carvalho, secretário-geral da Presidência, pois, desde que Fernando Collor
extinguiu o Serviço Nacional de Informações (SNI), não dispõe de uma
inteligência digna do nome para acompanhar movimentos sociais. Mas salta aos
olhos que, mesmo sendo o transporte público muito ruim, a rebeldia popular
manifesta o medo da volta da inflação e a indignação contra a péssima gestão de
um Estado ineficaz, estroina, insensível e corrupto. Querer tornar Geraldo
Alckmin alvo preferencial para derrotá-lo na próxima eleição é insensato, pois
também estão em jogo a ambição de Dilma Rousseff e a carreira de Fernando
Haddad. É esperar para conferir.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag.A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 19 de junho de
2013.
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