José Nêumanne
Governo e
oposição não cuidam do embarque da soja, mas se preparam para o comício que
vem
Todas as
estradas que levam aos Portos de Santos e Paranaguá estão bloqueadas por filas
de caminhões carregados com a supersafra de 38 milhões de toneladas de soja
esperando para descarregar o produto em terminais portuários incapacitados para
embarcar tanto grão. A China, a maior compradora do mundo, está desistindo, à
medida que o tempo passa, do que adquiriu e, por causa disso, o minério de ferro
não foi ultrapassado pela leguminosa como o maior produto de exportação da nossa
Pátria amada, idolatrada, salve, salve! Enquanto tudo isso ocorre, a presidente
Dilma Rousseff põe Antônio Andrade, peemedebista mineiro, no lugar de Mendes
Júnior, peemedebista gaúcho, no Ministério da Agricultura. Mas não por causa do
apagão da logística ou pelo colapso da infraestrutura, e sim porque trata de
acomodar mais partidos em seu superpalanque da eleição de
2014.
A soja tinha de
ser entregue faz tempo, mas a maior responsável pela operação desastrosa dos
nossos portos só pensa no que vai ter de enfrentar em outubro do ano que vem –
daqui a um ano e sete meses. Pode? Pois é! Diante da expectativa de os paulistas
não conseguirem passar o feriado da Páscoa no litoral ao pé da Serra do Mar
porque a Piaçaguera-Guarujá está intransitável, não há um líder oposicionista
empenhado em entender, explicar, traduzir e criticar o absurdo. O senador Aécio
Neves (PSDB-MG) não foi solidarizar-se com os caminhoneiros paralisados, mas
gastou todo o seu tempo e seu latim para apagar o fogo ateado com as
manifestações de apreço de José Serra (PSDB-SP) pelo adversário Eduardo Campos,
governador de Pernambuco e presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro
(PSB). Assim como o governo, a oposição só pensa naquilo para depois da
Copa.
Os meios de
comunicação não ficam atrás. Apesar de noticiarem o absurdo de uma burocracia
que culpa o excesso de produtos a exportar, e não o descalabro dos portos mal
administrados e das estradas esburacadas, dão destaque mesmo às potencialidades
(se é que há alguma) da Rede de Marina Silva.
Na semana
passada, o governo anunciou que a Petrobrás não venderá mais a refinaria de sua
propriedade em Pasadena, no Texas (EUA), por causa do prejuízo que teria. Ora
bolas, o prejuízo já foi dado! Agora a questão se resume a ter um prejuízo de
US$ 1 bilhão, se a estatal brasileira conseguir passar adiante o mico que
comprou dos belgas, ou US$ 1, 180 bilhão, se mantiver em sua contabilidade a
atividade gravosa da empresa mal comprada. Não consta que haja um agente da
republicana Polícia Federal do dr. José Eduardo Martins Cardozo investigando
quem saiu ganhando na compra, que, aliás, só acrescenta mais um grão no areal de
lambanças de uma empresa cujos donos somos nós.
Mas a oposição
foi para o circuito Elizabeth Arden do tríduo momesco no Recife, em Salvador e
no Rio de Janeiro e deixou a nau capitânia do “petróleo é nosso” afundar num mar
de lama. Prometeu voltar depois da Quarta-Feira de Cinzas e ficou na muda
esperando a Páscoa chegar, que, como diria o poeta pernambucano Ascenso
Ferreira, conterrâneo do presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, “ninguém é
de ferro”.
O ex-governador
Serra trocou afagos em público com o neto do dr. Miguel Arraes para despertar a
ciumeira de Aécio, a cuja indiferença atribui grande responsabilidade por sua
derrota na eleição presidencial de 2010. Depois de perder de novo, em 2012, para
outro poste de Lula, Fernando Haddad (PT), a Prefeitura de São Paulo, deixando
desprotegido mais um bastião da oposição à invasão do bloco governista, formado
por PT e PMDB, o furibundo tucano nem quis saber da surra que o partido dele
levou da presidente Dilma Rousseff (PT) nas pesquisas Datafolha e Ibope
divulgadas neste fim de semana. Como se diz sempre nessas pesquisas, “se a
eleição fosse hoje”... Acontece que não é, e por isso mesmo a pesquisa de nada
vale. Mas o professor Serra nem se deu ao trabalho de
constatar.
Pesquisa de
opinião pública é “o retrato do momento”, dizem os marqueteiros que fazem os
seus clientes pagar uma fortuna por essa inutilidade. Ou seja, as pesquisas que
dão como certa a vitória da presidente na eleição da qual ela é óbvia favorita
são como se se fotografasse o treino do Corinthians para o próximo compromisso
pelo Campeonato Paulista anunciando que o time será o campeão da Libertadores da
América do ano que vem. Aécio Neves até lembrou isso – como destacou que o
governo preenche os intervalos comerciais da programação da televisão e a chefe
e candidata não se cansa de produzir “factoides” eleitorais –, mas já chega
eivado de suspeita por ser o principal interessado. Ou melhor,
prejudicado.
O cidadão
continua morrendo nos buracos das estradas agora ocupadas pelos caminhões que
não são descarregados nos portos, ou nos pisos nus de uma rede hospitalar
pública sem vagas, sem macas e sem médicos. Nossos filhos frequentam
estabelecimentos de ensino incapazes de ensinar o bê-á-bá e a tabuada. Mas,
empregada (ainda que mal remunerada) e de barriga cheia, com uma Bolsa-Família a
receber e uma bolsa-escola a não frequentar, a maioria comemora até o advento de
um papa argentino. Como a redução da tarifa elétrica e a isenção de impostos na
cesta básica, que não baixou os preços dos alimentos, mas cristalizou o
prestígio da presidente entre o povão, que nem carente mais
é.
Carente mesmo é
a democracia brasileira, que depende de ídolos como o mais popular de todos,
Lula da Silva, padrinho de Dilma, por não dispor de instituições fortes capazes
de formar políticos com cultura cívica e burocratas que sejam capazes de fazer
algo mais útil do que furtar o erário. Dependente de eleições, como o viciado da
droga, nosso Estado Democrático de Direito toma doses de demagogia na veia todos
os dias. Com 39 ministérios, o governo não tem como governar e apenas galga o
palanque para passar o tempo prestando atenção na arenga que esconde a inércia e
o malfeito nossos de cada dia.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pág.A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 27 de março de
2013)
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