José
Nêumanne
É pior o chefe
saber que a secretária usava seu nome ou a atenderem sem que ele
soubesse?
Na entrevista
coletiva em que foi apresentado como técnico da seleção nacional, Luiz Felipe
Scolari fez uma brincadeira sobre a pressão sofrida por qualquer ocupante de seu
novo emprego. “Se não quer pressão é melhor não jogar na seleção, vão trabalhar
no Banco do Brasil”, disse ao completar a declaração de que ganhar a Copa de
2014 é uma obrigação. Bastou isso para que o mundo desabasse sobre sua cabeça.
Apesar de ser esta notoriamente dura, seu dono, o autor da graçola, submetido a
críticas de sindicatos de bancários e diretores e funcionários do BB, terminou
pedindo desculpas em público.
O autor destas
linhas é do tempo em que passar no concurso para o Banco do Brasil era quase
como ganhar na loteria da Caixa Econômica Federal. Perceba que a sorte neste
país está sempre sob chancela estatal. Emprego estável garantido, prestígio
social e, como insinuou Felipão, vida mansa. Hoje já não se pode dizer o mesmo,
mas também não é uma ocupação de que alguém venha a arrepender-se algum dia,
principalmente diante das vicissitudes da economia, que às vezes provocam dores
de cabeça nos assalariados da iniciativa privada, mas nunca prejudicam as
evidentes vantagens de quem vive sob os auspícios da
viúva.
De pouco
adiantou o currículo do técnico, o último a dirigir uma seleção brasileira
campeã do mundo, em 2002, na Ásia: ele teve de ajoelhar no milho e se
penitenciar perante a corporação. Logo depois de seu triunfo, a gestão federal
do Partido dos Trabalhadores (PT) empreendeu um esquema de compra de votos de
bancadas aliadas para apoiar projetos no Congresso Nacional. E parte do dinheiro
que usou foi surrupiado dos cofres do banco cuja honra foi agora defendida com
tanto denodo por seus funcionários. O então diretor de Marketing nomeado pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Henrique Pizzolato, mandou depositar R$
73,9 milhões nas contas das agências publicitárias mineiras DNA, Graffiti e
SMPB, que os repassaram em forma de propina a partidos e políticos da
base.
Condenado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) a 12 anos e 7 meses de prisão, o ex-funcionário
de carreira e petista da linha de frente terá de amargar pelo menos 2 anos e 1
mês numa cela e pagar R$ 1,3 milhão de multa. É muito dinheiro, mas praticamente
nada comparado com o total que se sabe que foi furtado. O companheiro pisoteou e
jogou no lixo a credibilidade de uma instituição financeira com mais de 200 anos
de existência e excelente reputação no mercado financeiro mundial. Seus colegas
e correligionários, entretanto, preferiram execrar a Justiça pela sentença que
condenou o ladrão à merecida prisão e reclamar do técnico da seleção pela piada,
que nem é das mais pesadas.
Tão zelosa em
negar os próprios privilégios, a corporação do BB nunca se mostrou
particularmente interessada em salvaguardar a boa imagem dela. Ao desbaratar a
quadrilha dos “bebês da Rosemary”, os irmãos Vieira, que compraram as graças da
ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de
Noronha, a Polícia Federal (PF) comprovou isso. Pois constatou que essa senhora,
acusada de desvio de conduta na Operação Porto Seguro, conseguiu que Luiz Carlos
Silva, presidente da empresa Cobra, braço tecnológico do BB, contratasse a New
Talent, de João Vasconcelos, marido da moça, e seu genro, Carlos Alexandre
Damasco Torres. Assinado em maio de 2010, quando o vice-presidente de tecnologia
do BB era José Luiz Salinas, o contrato levou em conta um atestado de capacidade
técnica que os agentes federais presumem ser falso. Genuína mesmo era a ligação
de Salinas com José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil de Lula, como Pizzolato
condenado (por corrupção ativa e formação de quadrilha), e com o ex-presidente
do PT Ricardo Berzoini, que o apadrinharam para o cargo. Salinas, hoje na Ásia,
era também frequentador habitual do gabinete de “madame
Rosemary”.
Ainda há tempo
para a corporação do BB protestar contra a malsinada influência em créditos
evidentemente desastrosos, que também comprometem a credibilidade do banco
público, mas nem a Velhinha de Taubaté acredita nessa hipótese. Pois os
indignados com a gracinha do sisudo Felipão nunca vieram a público reclamar do
aparelhamento promovido pelo PT dos bancários Berzoini e Luiz Gushiken na antes
respeitável instituição financeira. Ao contrário, todos neste momento estão
empenhados em encontrar uma desculpa qualquer, similar à do caixa 2 de campanha,
com a qual tentaram desacreditar o julgamento do mensalão.
Enquanto isso,
dirigentes do PT, falsos ingênuos e blogueiros ditos progressistas fazem de tudo
para desmoralizar pelo menos um dos responsáveis pela condenação dos
companheiros Dirceu e José Genoino. A bola da vez não é o ex-presidente do STF
Carlos Ayres de Brito nem o atual chefe máximo do Judiciário e relator do
julgamento, Joaquim Barbosa, mas Luiz Fux.
O ministro está
sendo acusado à boca pequena, como é comum no gulag de intrigas do PT, de ter-se
comprometido a absolver os mensaleiros em troca da vaga no Supremo. A calúnia
não se apoia em documentos nem na lógica e padece de um defeito de origem: quem
mereceria recriminação, um jurista que aceita chegar ao topo da carreira
renegando a independência e a honra de julgador ou um estadista que seja capaz
de exigir dele tal promessa? A pergunta nem merece resposta, tão implausível é a
injúria.
Mas há outras
duas que não podem ser caladas. Qual a pior hipótese: a de uma secretária de
luxo ter poderes para nomear e promover usando o santo nome do ex-presidente
Lula em vão, sendo sempre atendida, ou a de este avalizar seus pedidos? Seria
pior para a República o advogado-geral da União fazer tráfico de influência ou
ele nunca ter percebido a quadrilha operando no gabinete ao lado, de um amigo
que promoveu?
Pelo visto, o
mensalão é pinto comparado com o estrago feito pela madame em nome de
Lula.
Jornalista,
poeta e escritor.
(Publicado na
Pág.A2 do Estado de S. Paulo na quarta-feira 5 de dezembro de
2012)
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