Arnaldo Jabor
Tenho visto muitos filmes de ação. Vou ao cinema com meu
filho de 12 anos e já sou um entendido nas missões impossíveis, nas
porradas, nas cidades destruídas, nas armas assassinas. Quando estou no
cinema, tudo me parece perfeito, de uma eficácia absoluta, como se
estivesse dentro de uma máquina de sensações programadas. Sou levado a
um mergulho em suspense, em medo, em prazeres sádicos, tudo narrado em
uma tempestade de 'planos' curtos, nunca mais longos do que quatro
segundos, ao som de orquestras sinfônicas plagiando Beethoven ou Ravel
para cenas românticas e Stravinski para violência e guerras, pois não há
um só minuto sem música, tudo montado para não desgrudarmos os olhos da
tela. Antigamente, os filmes 'comerciais' ou de ação apelavam para
alguma comoção humana das plateias, histórias em que o 'bem' era
recompensado, em que chorávamos ou ríamos desde o Gordo e o Magro até Hitchcock.
Hoje, passamos por uma maratona de emoções incessantes que nos
exaurem como se fôssemos personagens daqueles mundos em 3D, de pedras e
balas que nos voam na cara, atravessando túneis de ressonâncias visuais e
sonoras que nos fazem em pedaços espalhados pela sala, junto com os
copos de Coca-Cola e sacos de pipocas. Somos pipocas desses filmes. No
entanto, quando saio do cinema, caio num grande vazio nas ruas
barulhentas, feias e terríveis, onde tudo parece irreal.
Esses filmes são de uma eficácia assustadora, como seus heróis. Os
roteiros são feitos em programas de computador especiais que não deixam
respiros para o espectador. É preciso encher cada buraco, para que nada
se infiltre na atenção absoluta. Os efeitos especiais são mais
importantes que os conflitos psicológicos. Não importa o enredo; só o
gozo da cena. O filme de ação busca na violência e nos desastres a mesma
visibilidade total do filme pornô.
É uma nova dramaturgia de Hollywood: a estética do videogame, onde a
personagem principal não é mais o "outro", mas nós mesmos, com o
joystick na mão e nenhuma ideia na cabeça. Cresce uma cultura da
incultura, a profundidade do superficial, a rapidez do julgamento, num
mundo feito de fugazes e-mails, celulares tocando, corridas sem fim,
vidas sem "roteiro".
Está fora de moda um filme para ser visto, refletido, com choro,
risos, vida. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano
dentro de nossas cabeças. A ação na tela é incessante, o conflito é
permanente, de modo a impedir o espectador de ver seus conflitos
internos.
Ao contrário das obras comunas ou nazistas, que vendiam um "futuro",
um paraíso soviético ou um Reich de Mil Anos, os EUA vendem o
"presente". Americano não tem futuro. Só um enorme presente prático,
feito de objetos e gadgets, serviços e sentimentos redentores. Por outro
lado, nada é parte de um "complô" para nos "lavar o cérebro", nada
disso. Não é uma propaganda consciente. Não há Comitê Central nem CIA,
por trás. Os americanos são um produto deles mesmos, acreditam no que
dizem. A sinceridade é sua arma total. O verdadeiro cinema político é o
filme americano.
Logo depois da Guerra Fria, os filmes mostravam uma América em
"frenética lua de mel" consigo mesma. Os Estados Unidos eram o país da
"cultura da certeza". A ideia de 'paraíso americano' era a perfeição do
funcionamento. Com o fim da Guerra Fria, os americanos ficaram meio
desamparados, sem inimigos reais. Cultura paranoica não gosta disso. Com
o 11 de Setembro, junto com as torres, caíram também a arrogância e o
orgulho da eficiência. Deprimiram por uns anos, mas, retomaram a
trajetória do mito americano e, assim como estão reconstruindo as torres
gêmeas, voltaram a fazer filmes para reabilitar o herói americano, tão
humilhado na horrenda era Bush.
Antigamente, sofríamos durante a trama, esperando que os heróis ou
amantes fossem felizes no fim. Hoje, sabemos que tudo vai acabar bem,
mas nos fascinam mais os infernos que eles terão de atravessar, para
chegar a um desfecho fatalmente bom. A catarse chegará, mas antes temos
amputações, temos bazucas estourando peitos, bombas e vemos que, mais
importantes que as personagens, são as "coisas" em volta. Sim, as
coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor. E o décor é um
grande showroom dos produtos americanos, que são as verdadeiras
personagens: maravilhosos aviões, os supercomputadores, a genialidade
tecnológica. Neste neocinema épico século 21, as personagens não fogem
de um conflito; fogem dos produtos.
E pior: não adianta se refugiar na arte. O cinema de autor ficou
mirrado diante de tanta homérica violência. A arte pressupõe uma
imperfeição qualquer, uma fragilidade que evoca a natureza perdida; a
arte inclui a morte ou o medo, mesmo no triunfo das estátuas perfeitas.
A destruição que vemos na vida, a sordidez mercantil, a estupidez no
poder, o fanatismo do terror, a destruição ambiental, em suma, toda a
tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O
mal é tão profundo que denunciá-lo ficou inútil. Pela influência
insopitável do avanço técnico da informação, turbinado pelo mercado
global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e
literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, toda aquela
dimensão espiritual chamada antigamente de 'cultura' que, ainda que
confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela
influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência.
Na arte atual, não há vestígios de esperança. Vivemos diante de um
futuro que não chega e de um presente que nos foge sem parar. Isso nos
faz saudosos do presente como se ele fosse um passado.
Uma espantosa nova linguagem surgiu e cresce como um 'transformer'
nas telas do mundo. E talvez, daqui para a frente, só essa língua
aliviará um pouco nossa solidão, saciará nossa fome de ilusão. Só em
filmes brutos e desumanos teremos o consolo do esquecimento.
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