José
Nêumanne
Em vez de xingar
Serra, ex-presidente devia pedir a Marta que o ajude a arrastar
Haddad
Tolo foi
imaginar que a comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) do Congresso para
apurar o nefasto conúbio entre a quadrilha do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o
Carlinhos Cachoeira, e agentes do Estado brasileiro resultaria, pelo menos, no
esclarecimento da praga da corrupção no Brasil. Afinal, ela terminou sendo
instalada contra os interesses do governo, que sabia dos riscos que corria, e da
oposição, que, ao contrário da mulher do árabe da piada (que a espancava ainda
que não tivesse noção dos motivos, que ela conhecia bem), sabia que terminaria
levando a pior, mesmo ignorando por quê. E o foi para servir única e
exclusivamente aos interesses de um brasileiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que queria vingar-se do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo,
que o desmentira publicamente ao dizer que o informou sobre a compra de votos
das bancadas governistas, o tal do mensalão.
Mais tolo ainda
será prever que ela inevitavelmente dará com os burros n’água. De fato, até
agora a CPMI nada acrescentou às fartas evidências, investigadas pela Polícia
Federal (PF), dos crimes cometidos pelo contraventor e de suas relações nada
republicanas com o falso Catão Demóstenes Torres, (ex-DEM), de Goiás, Estado de
origem do acusado de ter operado o mensalão, Delúbio Soares. O relator, Odair
Cunha (PT-MG), foi acusado de ser “tchutchuca” com governistas denunciados e
“tigrão” contra oposicionistas, pelo deputado Fernando Francischini, paranaense
do PSDB, partido que se comporta como espelho, atuando de forma diametralmente
oposta. Seu colega de bancada Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-líder do governo
Dilma na Câmara, foi pilhado transmitindo torpedo por telefone celular do
plenário ao governador (até agora “blindado”) do Rio, Sérgio Cabral (PMDB),
fazendo jura de amor fiel em vernáculo capenga: “Nós somos teu”... Ou seja, o
espetáculo é deprimente para o Poder Legislativo e depreciativo para a
democracia de um modo geral.
O objetivo
inicial real da comissão, no entanto, foi plenamente cumprido, pois a vingança
de Lula está sendo totalmente consumada: o tucano que o delatou sangra no
matadouro público, ao lado de outro goiano, o senador Demóstenes Torres, que
fingia ser santo enquanto servia aos interesses do anjo do
Mal.
Nada mal para
quem está entrando no 18.º mês fora do majestático poder presidencial e ainda
enfrentando um agressivo câncer na laringe e um tratamento não menos incômodo,
que o têm impedido de se movimentar e se manifestar com a desenvoltura
necessária para atender a outros desafios que se impôs ao descer a rampa do
Planalto na companhia da sucessora que escolheu. Atear fogo no rabo de palha do
tucano tem sido tarefa facilitada pela desenvoltura com que o delator permitiu
ser delatado em vexatórias conversas telefônicas com o bicheiro pródigo. Mais
difícil será eleger o segundo poste consecutivo, agora para a Prefeitura de São
Paulo, e convencer o Supremo Tribunal Federal (STF) a adiar o julgamento do
mensalão, sem causa justa, para depois das eleições.
Para os milhões
de telespectadores de seu amigo Carlos Massa, o Ratinho, no SBT, no primeiro
depoimento na televisão após sair da Presidência e ter sido diagnosticado o
câncer, Lula não se fez de rogado quanto à própria responsabilidade pela
indicação do candidato desconhecido. Em nenhum momento de seu pronunciamento
(entrevista não, por favor!) ele usou a terceira pessoa para dividir a decisão
com o partido ou mesmo o plural majestático para revelar a humilde generosidade
dos reis, que ele não precisa ter com seus súditos. Foi Lula – e só ele – quem
decidiu que a eleição municipal paulistana será vencida pelo novo e que seu
ex-ministro da Educação cabe exatamente nesse figurino.
O conviva de
seus ágapes de rabada e anfitrião de refeições com o mesmo prato foi compassivo
ao deixar de questionar a negação de sua reconhecida esperteza quando do
episódio decisivo para a entrada de José Serra (PSDB) na disputa: a quase adesão
e o recuo do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), à candidatura que
Lula impôs ao PT. É difícil, mas não importante, saber se aquele foi
surpreendido pela mudança de atitude do antecessor na Prefeitura ou se apenas
passou a perna em Lula. Mas é fato que, ao anunciar que o único tucano que
apoiaria seria o ex-governador, Kassab não deixou saída para o agora candidato
nem para seus descontentes aliados, levados a se unir contra o adversário comum
para não serem afastados de um dos raros postos executivos no País inteiro fora
do alcance do poder do PT de Lula, Dilma, Zé Dirceu e aliados oportunistas, ops,
governistas.
A ausência de
Marta Suplicy (PT) no lançamento da candidatura de Haddad mostrou que os elogios
de Lula no Programa do Ratinho não a convenceram a ajudá-lo a arrastar o
poste pela periferia de São Paulo. Talvez ele devesse convencer seus amigos das
montadoras a emprestarem uma carreta, ir ao Ceagesp, encher a caçamba de flores
e levá-las à senadora, entregando-as de joelhos e convocando os meios de
comunicação para divulgarem a imagem. Certo é que a difícil missão de alçar
Haddad à Prefeitura depende mais da boa vontade da ex-prefeita que da
demonização renitente dos adversários tucanos.
Missão árdua
também será convencer o STF a adiar um julgamento que já tarda mais de cinco
anos com base no argumento fajuto de que seu resultado perturbará as eleições
municipais deste ano. Como a chantagem de que ele está sendo acusado pelo
ex-presidente do Judiciário Gilmar Mendes não foi gravada, é até possível
conceder-lhe o benefício da dúvida. Será, contudo, uma dúvida muito fragilizada
pela inverossimilhança: não é fácil acreditar que a causa da reunião tenha sido
a má campanha do Corinthians no Brasileirão ou um relato dele sobre as
dificuldades que está enfrentando para beber água com gás, que tanto
aprecia.
Disso tudo fica
uma questão: Lula ainda se acha onipotente ou acaba de constatar que não
é?
Jornalista,
escritor e editorialista do Jornal da Tarde
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