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quinta-feira, 24 de maio de 2012

O ESPELHO NUNCA SOUBE QUE NOME DAR A SI MESMO



Eu escrevi o teu nome onde não tinhas mais como saber sua origem.
O dia enfiado na goela da miragem e eu esquadrinhando as ruas que passavam por meu sonho.
A imensa boca aberta precipitada sobre a paisagem recordada no cartão postal, como se não houvesse mais nada além da perda daquela memória em nossas vidas.
Teu corpo rascunhando dez epílogos possíveis para o sol que há muito havia sido sacrificado.
Somente um louco refaria nosso mundo.
Com tantos deuses empilhados à porta de teu ventre não haveria sequer como enxotar dali seus fantasmas.
Um saque de cada vez: metas para o novo milênio corrompido.
Os metais inflamados, as vantagens refeitas, um cofre lacrado com o segredo das moléculas e das metáforas, pequenas fábulas ardilosas como o santo sudário, eu ainda me arrisco a desvendar o paradeiro de teus lábios.
O amor costumava ser a única catástrofe que, uma vez emborcada, podia converter-se em outra fonte de milagres.
Quando os milagres perderam cotação no mercado, o amor não soube mais o que fazer de si.
Desde então o homem é um acidente boiando entre parábolas.
Escavando bem talvez se recupere o desenlace de algum abismo.
O olho mágico encontrado em um antiquário como um catálogo de extravios.
Os disfarces sempre foram a dieta sagrada de todas as bestas.
As novas formas atribuídas a uma maçante repetição do mecanismo das quedas.
A monotonia da exasperação pela velocidade, o fastio ante o deslumbre de um mundo que expande a letra e sintetiza o espírito.
Os teus versos foram ficando gastos, a luz coberta de ferrugem, como uma língua putrefata viciada em suas pequenas impossibilidades.
De todas as formas de vida que necrosam em uma enfermaria fora de alcance de qualquer radar, nenhuma é mais patética do que a tua.
O espelho é uma espécie de estropício da alma danada.
Não sobra nada por onde ele passa.
Foi impossível localizar Deus para questionar sua responsabilidade sobre as avarias manuscritas às pressas nas páginas finais dos livros de bordo.
Há edições romanceadas de todos os prejuízos.
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poema & fotografia | FLORIANO MARTINS

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