José
Nêumanne
Os organizadores
da Virada Cultural deram a maior bola fora da história da promoção ao se
esquecerem da efeméride de música brasileira mais importante do ano: o
centenário de Luiz Gonzaga, seu Lua, o Rei do Baião, nascido em Exu, no sertão
do Pajeú, Pernambuco.
Gonzagão não era
apenas o compositor de clássicos do cancioneiro popular, como Asa Branca,
só para citar o exemplo do maior de todos. Nem somente o intérprete singular que
transportou o sertão nordestino para a programação do rádio e da televisão no
Sudeste Maravilha. Sua relevância transcende a essas constatações por dois
motivos.
O primeiro deles
é que fundou a música regional nordestina. No dia em que resolveu o problema
prático do transporte de seus acompanhantes no próprio automóvel para economizar
o aluguel de um ônibus reduzindo o instrumental à sanfona que ele tocava, ao
zabumba que dava o ritmo e à ajuda de um triângulo, criou um gênero, uma
modalidade. E agendou no calendário nacional de festas populares a tradição de
festejar as noites de São João e São Pedro com ritmos dos ermos sertanejos, tais
como o xaxado dos cangaceiros de Lampião, o forró dançado nos terreiros de terra
batida, o rojão do duplo sentido e o baião, que ele inventou com a cumplicidade
de Humberto Teixeira, outro gênio esquecido. Se o filho do sanfoneiro Januário e
de dona Santana não tivesse descoberto que do triângulo de metal percutido por
uma vareta usado pelos vendedores de cavaco chinês na rua complementava a pegada
do zabumba, Campina Grande, Caruaru e hoje praticamente o Nordeste inteiro não
teriam adicionado a suas fontes de renda os festejos
juninos.
Sem ele,
sanfoneiros e cantores que se apresentam em arraiais juninos não ganhariam a
vida com o suor de sua arte. Os sanfoneiros Dominguinhos e Flávio José, os
intérpretes Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Marinês, Elba Ramalho, Santana
Cantador e Alcimar Monteiro e compositores como Antônio Barros e Cecéu, Maciel
Filho, Onildo Almeida e Patativa do Assaré são filhos profissionais de
Gonzagão.
A importância de
Gonzaga no show business brasileiro só se compara com a da geração de sambistas
da Época de Ouro dos anos 30 do século passado – Noel Rosa, Assis Valente, Ary
Barroso, Cartola e Sinhô, entre tantos outros – inventaram o maior espetáculo do
mundo, o samba carioca. E, um decênio depois, o sucesso do baião transportou os
ecos da caatinga para os estúdios de emissoras de rádio e televisão e
gravadoras.
Este sucesso lhe
deu majestade e o torno o grande símbolo da diáspora nordestina. Todas as
gerações de autores e intérpretes originários do Nordeste – Manezinho Araújo, Zé
Ramalho, Fagner, Alceu Valença, Geraldinho Azevedo, Caetano Veloso e Gilberto
Gil, só para citar os exemplos mais óbvios – beberam na obra ele para produzirem
a deles.
É, pois, signo
de burrice e insensibilidade privar São Paulo, a maior cidade nordestina do
mundo, de lembrar a voz que trouxe os aboios das quebradas para as esquinas de
concreto. Uma virada sem Gonzaga não é paulistana de
verdade.
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