José
Nêumanne
Em vez de
assaltar sonhos de consumos de todos os poupadores, como fez Collor, Dilma
impediu que capitalistas se protegessem da queda dos juros no mais popular
instrumento de poupança
O anúncio, feito
na semana passada por Dilma Rousseff, da mudança na remuneração das cadernetas
de poupança foi uma oportunidade de ouro para o observador atento da cena
política ter uma evidência cristalina de como mudaram as relações entre
autoridade e cidadania nestes 22 anos.
Em 1990, o
carioca criado em Alagoas Fernando Collor de Mello, que havia vencido a primeira
eleição presidencial em 30 anos, sequestrou a poupança dos remediados numa
tentativa desesperada e amadorística (dos pontos de vista da economia e da
comunicação) de deter o avanço vertiginoso da inflação, que o ajudara a se
eleger. Deu no que deu: sem uma coalizão política capaz de sustentar ato tão
temerário, sem humildade para negociar a sobrevivência de seu governo com o
Congresso e tendo perdido o apoio popular com a medida estúpida, o poder
monárquico do presidente eleito pelo povo se dissolveu e ele se viu obrigado a
renunciar, asfixiado num mar de lama. Os milhões de casos dos brasileiros comuns
que tiveram suas economias surrupiadas sem piedade pelo cabotinismo do chefe do
governo e pelas limitada competência de sua czarina da economia tiveram
repercussões terríveis em muitas vidas.
Em 2012, dentro
de um projeto de combate retórico às altíssimas taxas de juros praticadas na
economia brasileira, a mineira que se tornou gestora pública no Rio Grande do
Sul Dilma Rousseff anunciou um gatilho de 8,5% da Selic para impedir que o
popular instrumento de poupança da sociedade não virasse um obstáculo para
detê-la em sua obstinação.
Há diferenças
enormes entre o ímpeto de Collor e o cálculo de Dilma. Com a autoridade
concedida pelo presidente, a ministra Zélia Cardoso de Melo impediu que todos os
poupadores usassem seus saldos para atender a suas necessidades. No cumprimento
das ordens da chefe, o ministro Guido Mantega evitou que capitalistas de escol
se protegessem no instrumento mais democrático de poupança da queda da
remuneração de seus pesados investimentos com a queda eventual dos
juros.
Ao contrário de
Collor, Dilma não passará, pois, para a história como a usuária da mão pesada do
Estado para assaltar sonhos de consumo. Houve, é claro, um risco político, mas
este se evaporou por não se tratar de intervenção brutal e por outra diferença
política fundamental entre os dois episódios. Contra o destrambelhado “carcará
sanguinolento” mobilizaram-se todas as correntes políticas organizadas do País,
surpreendidas com o apoio popular que ele recebera nas urnas. A oposição ao
atual governo é nula, comparada com a de então. O apoio a Dilma não é unânime,
mas até o obscuro senador Collor é governista.
Jornalista,
escritor e editorialista do Jornal da Tarde
Nenhum comentário:
Postar um comentário