José
Nêumanne
Dilma e Ayres
Britto desautorizam utopias totalitárias contra direito da
cidadania
Rui Falcão,
presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), e Fernando Collor de
Mello, que há 20 anos renunciou à Presidência da República sob acusações de
corrupção e atualmente é senador governista, exibiram publicamente seu desapreço
comum pela liberdade de expressão.
Como registrou
este jornal na editoria Nacional, no sábado, o petista deu uma informação
inusitada em encontro realizado em Embu das Artes para discutir estratégias
eleitorais do partido. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff “poderá” (atente
para o verbo usado) pôr em discussão o marco regulatório da mídia depois de
acertar as contas dos juros altos com os banqueiros. “Este é um governo que tem
compromisso com o povo e que tem coragem para peitar um dos maiores
conglomerados, dos mais poderosos do País, que é o sistema financeiro ou
bancário. E se prepara para um segundo grande desafio, que (sic) iremos nos
deparar na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta pública do
marco regulatório da comunicação”, pontificou.
Em teoria, a
presidente da República tem poderes constitucionais para, por exemplo, declarar
guerra aos Estados Unidos ou ao Paraguai. Ninguém acredita que o fará. Mas
Falcão espera que ela declare guerra aos meios de comunicação. Ela pode desejar.
Mas ele poderá influir ou mesmo informar a respeito, sendo presidente nacional
do partido em que milita a presidente e ocupando uma cadeira na Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo? Não consta que nenhum de seus cargos o torne
porta-voz da presidente ou do governo federal, no qual é um zero à esquerda como
o autor destas linhas e a quase totalidade dos que as leem. Como não consta que
a presidente da República seja obrigada a cumprir o que determina o principal
dirigente da legenda pela qual se elegeu, a autoridade dele para anunciar o que
o governo dela fará é igual à de um marronzinho anônimo ou do bispo de Santo
André.
Nada há, pois, a
temer quanto às consequências de suas bravatas contra a liberdade de imprensa
gozada nesta República, que, felizmente, não é uma republiqueta de bananas. Elas
devem provocar idêntico susto (que ninguém sentiu) ao de quando Collor assumiu o
encargo de atrapalhar a cobertura da imprensa na CPI de Carlinhos
Cachoeira.
Há, sim, que
esclarecer os motivos do desprezo de ambos pelo jornalismo. Falcão e Collor são
profissionais de imprensa. O currículo do petista revela sua passagem por
jornais importantes e por ele se constata que dirigiu a redação da Exame,
revista que propaga e defende o capitalismo, que o deputado execra. Sabe-se lá
que mágoas ele guarda de seus antigos patrões ou os dilemas de consciência que
teve de ultrapassar para editar o noticiário e os artigos de uma publicação que
nega todos os princípios do socialismo, que ele abraçou e seguiu depois de
trocar a profissão de jornalista pela militância política num partido de
esquerda. É possível entendê-lo, mas não dá para justificá-lo. A transposição de
ódios pessoais para o ideário político não faz bem ao profissional nem ao
cidadão.
Ao contrário
dele, Collor foi apenas um “foca” (iniciante) que não chegou a seguir carreira,
trocando-a pela atividade política, em que atingiu o posto máximo que alguém do
ramo pode almejar, sem, porém, conseguir dar nenhuma amostra de mérito pela
vertiginosa ascensão. Foi na carreira pública, e não no ofício jornalístico, que
o ex-presidente encontrou seus motivos para, mais do que o outro, detestar os
meios de comunicação em geral e, em particular, a liberdade de informação e
opinião. Afinal, jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão revelaram à
sociedade as estripulias da “República de Alagoas”, que ele e seu anspeçada PC
Farias aprontaram em Brasília.
O “Carcará
Sanguinollento” nunca perde a oportunidade de se dizer inocente das acusações
contra ele publicadas, usando como argumento o fato de nunca ter sido condenado
pela Justiça. É verdade, contudo, que essa evidência não elimina outra: a de que
ele deixou de ser o poderoso presidente de uma “República monárquica” e hoje não
passa de um obscuro senador por Alagoas, Estado que governou depois de ter sido
prefeito da capital, Maceió. Livre de cumprir condenação judicial e usufruindo
sem restrições os bens que amealhou, ele é agora um acólito do baixo clero
sempre disposto a fazer o serviço sujo para os novos patrões, por ironia do
destino, seus mais brutais algozes, os principais responsáveis por sua
derrocada. A ponto de se oferecer, sem que ninguém tivesse encomendado ou mesmo
pedido, para atrapalhar a cobertura da CPI no Congresso
Nacional.
A pouca prática
de Collor e a notória carreira de Falcão no jornalismo não bastaram para que
ambos aprendessem uma lição elementar: o direito à livre informação e à opinião
plural não é dos concessionários dos canais de rádio e televisão nem das
empresas proprietárias de jornais e revistas, mas do cidadão. Comunicação não é
um negócio como os bancos, mas um ofício que depende da aprovação de seu
cliente, o cidadão, que exige ser bem informado para poder decidir sobre o
próprio destino. Assim funciona o Estado de Direito.
Aliás, a página
deste jornal que expôs o destampatório do deputado também publicou o anúncio
feito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, de
que o Judiciário fará “até campanhas esclarecendo o conteúdo da decisão do
Supremo (que derrubou a Lei de Imprensa em 2009), que foi pela plenitude da
liberdade de imprensa”. Para tranquilidade geral da Nação, que quer continuar a
ter acesso à informação livre e à opinião plural, a presidente Dilma Rousseff
tem feito reiteradas declarações no mesmo sentido desta. O ódio de Falcão,
coerente com o sobrenome, mas contrário ao pedido de “luz” do poeta alemão
Goethe, seu segundo nome, e de seu novel companheiro Collor terá, assim, o
destino das iniciativas anteriores: o lixo da História.
Jornalista,
escritor e editorialista do Jornal da Tarde
O dia que arrancarem de nós a liberdade de expressão, o que nos restará se já temos tão pouco?
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