A maioria dos cientistas, quando galgam postos mais altos, deixam de lado suas observações feitas em publico. Na semana passada, Nina Fedoroff, presidente da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), quebrou o protocolo de maneira estrondosa.
Ele disse estar "morrendo de medo" do movimento anti-científico que se está espalhando de maneira descontrolada através dos Estados Unidos e do restante do ocidente.
"Nós estamos voltando a uma das trevas," disse. "E parece não haver muito o que possamos fazer contra isso. Estou profundamente desanimada pelo fato de se ter tornado difícil estabelecer uma discussão em bases realistas a respeito de assuntos como as mudanças climáticas ou a questão dos organismos geneticamente modificados."
As observações de Fedoroff, uma das mais renomadas cientistas agrícolas, são ainda mais impressionantes dadas as circunstâncias.
Elas foram feitas durante o encontro anual da AAAS, um evento no qual os cientistas normalmente festejam suas mais recentes realizações: novas descobertas na área da biologia marinha, ou os primeiros resultados obtidos com um satélite recém-lançado, por exemplo.
Mas neste ano houve um perceptivel declínio nos resultados. Sim, bons trabalhos científicos foram relatados aos 8.000 que compareceram aos vários simpósios e palestras no encontro em Vancouver, Canadá.
No entanto, esses pronunciamentos foram feitos em meio a um ambiente em que toda uma disciplina e seus praticantes percebem que estão agora sob ataques constantes.
Como Fedoroff assinalou, pesquisadores universitários e do governo são perseguidos por mostrarem que que o aumento dos níveis de carbono na atmosfera estão causando mudanças climáticas. Seus e-mails são violados, enquanto se realizam campanhas no Facebook pelo repúdio às suas postagens, iniciativas frequentemente apoiadas por políticos de direita. No último debate do partido Republicano na Flórida, Rick Santorum insistiu em que deveria vencer a indicação para disputar as eleições presidenciais pelo partido simplemente por ter alertado antes de seus rivais Newt Gingrich ou Mitt Romney para a "brincadeira" do aquecimento global.
"As pessoas que cresceram durante os anos sessenta, quando o homem foi à Lua, têm agora de ver todos os candidatos Republicanos às eleições presidenciais deste ano renegando a ciência na questão das mudanças climáticas e evolução. Esse estado de coisas é atordoante e muito preocupante," disse o professor Naomi Oreskes, da Universidade da Califórnia em San Diego.
Oreskes é coautor, com Erik Conway, de Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida), uma investigação sobre as conexões entre os interesses comerciais corporativos e as campanhas políticas nos EUA na tentativa de impedir a introdução de medidas de cunho ambiental e médico, como a proibição do cigarro e o uso do inseticida DDT, leis para limitar as chuvas ácidas, legislação para acabar com a redução da camada de ozonio na atmosfera e tentativas de redução das emissões de dióxido de carbono.
Em todos esses casos, a legislação ficou atrasada por anos, ou décadas, pela atuação de várias fundações – como o Heartland Institute – que são apoiadas por empresas de energia como a Exxon, e bilionários como Charles Koch.
Essas instituições, atuando como testas de ferro de grandes empresas do setor de energia, são responaveis pelos ataques violentos que prejudicaram a reputação de cientistas entre muita gente no país. Essas ações se deram no forma de ataques pessoais e anúncios de televisão para sabotar as leis ambientais. A Agência de Proteção Ambiental, responsável por negar licenças de mineração e perfuração petrolífera que possam pôr em perigo espécies ameaçadas ou hábitats, tornou-se o alvo preferido desses ataques.
"A atual crise, com o surgimento de uma anti-ciência, vinha-se delineando há muito tempo, e nós devíamos tê-la percebido," completa Oreskes.
Este argumento foi endossado por Francesca Grifo, da União dos Cientistas Preocupados (UCS), embora ela tenha acrescentado que um acontecimento específico tornou a questão urgente: a decisão da suprema corte dos Estados Unidos de anular a lei que permitia ao governo federal impor limites a doações de empresas privadas independentes para fins políticos.
"Isso abriu as portas para as corporações – frequentemente associadas às indústrias petrolífera e de carvão – inundarem o mercado com propaganda de apoio a políticos de direita, investindo contra instituições governamentais que impõem critérios regulatórios ambientais aos quais essas companhias se opõem," disse. "A área da ciência que defende essas regulamentações também está sob ataque. Isso fez uma diferença enorme durante o ano passado e agora torna a questão urgente."
Suas observações são endossadas por um relatório da UCS, Heads They Win, Tails We Lose: How Corporations Corrupt Science at the Public's Expense (Cara, eles ganham, coroa, nós perdemos: Como as corporações prejudicam a ciência às expensas do público), publicado no encontro de Vancouver. O documento descreve os métodos utilizados pelas grandes empresas para atingir seus alvos: o assédio a cientistas, artigos assinados mediante pseudônimos para gerar dúvidas sobre pesquisas governamentais, e levantar suspeitas sobre o uso da ciência para traçar políticas de governo.
"As pessoas podem achar que as interferências políticas na ciência acabaram quando George W. Bush saiu da presidência, mas o fato é que a pressão para politizar a ciência ainda é uma realidade," acrescentou Grifo.
A maioria dos cientistas sabe que Barack Obama é um defensor da ciência. "O problema é que ele ainda não conseguiu fazer nada para ajudar a resolver o problema. Ele é frequentemente impedido pelo Congresso, o que só faz aumentar nossa preocupação e sensação de desespero," disse Fedoroff. "Se o atual presidente está do nosso lado, mas não consegue nos ajudar, o que será se um Republicano chegar à Casa Branca este ano?"
Em geral, os maiores excessos cometidos pelos lobbies anti-científicos estão restritos aos EUA. Contudo, há sinais de que sua influência se vem espalhando, o que aumenta a preocupação, disse Bob Ward, do Instituto Grantham de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas, em Londres.
"Nos próximos anos, nós teremos de nos perguntar se as políticas públicas devem se basear no aconselhamento de especialistas que realizaram análises rigorosas das evidências, ou se devem ser pautadas por lobistas guiados por dogmas e uma visão estreita, ideológica.
Ainda não está claro quais serão os desdobramentos do surgimento desse antagonismo anti-científico. A comunidade científica levou muito tempo para perceber e identificar as ameaças," diz Oreskes. "Antigamente, ela acreditava que o problema se devia apenas a uma questão de educação.Tudo o que seus membros teriam de fazer seria um esforço para se aproximar dos professores, do público e dos líderes empresariais e falar com eles. Essas pessoas então enxergariam os problemas e compreenderiam a necessidade de tomar uma atitude. Agora, ela está começando a perceber a real ameaça: tentativas organizadas em massa para desclassificar informações científicas por parte de pessoas para as quais essas dados representam uma ameaça ao seu status quo. Pela força desse pessoal, os cientistas poderão ter seu trabalho interrompido ou prejudicado ao enfrentá-lo."
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