Arnaldo Jabor
Nunca vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A
herança maldita da política de sujas alianças que Lula nos deixou criou
uma maré vermelha de horrores. Qualquer gaveta que se abra, qualquer
tampa de lata de lixo levantada faz saltar um novo escândalo da pesada.
Parece não haver mais inocentes em Brasília e nos currais do País todo.
As roubalheiras não são mais segredos de gabinetes ou de cafezinhos. As
chantagens são abertas, na cara, na marra, chegando ao insulto machista
contra a presidente, desafiada em público. Um diz que é forte como uma
pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que ela não tem coragem de
demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia. Canalhas se escandalizam
se um técnico for indicado para um cargo técnico. Chego a ver nos
corruptos um leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma
ponta de orgulho por seus crimes seculares, como se zelassem por uma
tradição brasileira.
Temos a impressão de que está em marcha uma clara "revolução dentro
da corrupção", um deslavado processo com o fito explícito de nos
acostumar ao horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos
convencer de que nosso destino histórico é a maçaroca informe de um
grande maranhão eterno. A mentira virou verdade? Diante dos vídeos e
telefonemas gravados, os acusados batem no peito e berram: "É mentira!"
Mas, o que é a mentira? A verdade são os crimes evidentes que a PF e a
mídia descobrem ou os desmentidos dos que os cometeram? Não há mais
respeito, não digo pela verdade; não há respeito nem mesmo pela mentira.
Mas, pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos à
Republica seja o primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de
vícios seja o início de uma maior consciência critica. E isso é bom.
Estamos descobrindo que temos de pensar a partir da insânia brasileira e
não de um sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega.
Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos
ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de
400 anos. O que há de bom nesta bosta toda?
Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade
neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento.
Finalmente, nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação,
aberta ao meio como uma galinha. Vemos que o País progride de lado, como
um caranguejo mole das praias nordestinas. Meu Deus, que prodigiosa
fartura de novidades sórdidas estamos conhecendo, fecundas como um adubo
sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. É um
esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Como mentem
arrogantemente mal! Que ostentações de pureza, candor, para encobrir a
impudicícia, o despudor, a mão grande nas cumbucas, os esgotos da alma.
Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio,
declarações de renda falsas, carrões, iates, piscinas em forma de
vaginas, açougues fantasmas, cheques podres, recibos laranjas de
analfabetos desdentados em fazendas imaginárias.
Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!... Assistimos em
suspense ao dia a dia dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das
quadrilhas políticas, seus altos e baixos - ou o triunfo da grana
enfiada nas meias e cuecas ou o medo dos flagrantes que fazem o uísque
cair mal no Piantella diante das evidências de crime, o medo que provoca
barrigas murmurantes, diarreias secretas, flatulências fétidas no
Senado, vômitos nos bigodes, galinhas mortas na encruzilhada, as
brochadas em motéis, tudo compondo o panorama das obras públicas: pontes
para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais
cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos.
Parece que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos políticos e
um outro Brasil povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os
mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico
(ups!) - isto é, filosófico: o que é a verdade?
Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam
ao chão. Mas, tudo está ficando tão claro, tão insuportável que temos
de correr esse risco, temos de contemplar a mecânica da escrotidão, na
esperança de mudar o País.
Já sabemos que a corrupção não é um "desvio" da norma, não é um
pecado ou crime - é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas,
nas almas. Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem.
Já sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado
patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante
quatro séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias.
Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e
privados, que enquanto não acabarem as emendas ao orçamento, as regras
eleitorais vigentes, nada vai se resolver. Enquanto houver 25 mil cargos
de confiança, haverá canalhas, enquanto houver Estatais com
caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido,
haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura judiciária,
nunca haverá progresso.
Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas,
hospitais, estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição,
outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas
penicilinas. Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras.
Descobrimos que os canalhas são mais didáticos que os honestos. O
canalha ensina mais. Os canalhas são a base da nacionalidade! Eles nos
ensinam que a esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno e
que, pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser!
Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo
chorrilho de negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e
lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo.
Céus, por isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está
evoluindo em marcha à ré!
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