José Nêumanne
Restauração de
prestígio acadêmico perdido pela instituição passa por sanções a quem viola
lei
Os estudantes e
sindicalistas de extrema esquerda que se rebelaram contra a presença da Polícia
Militar (PM) no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), sem querer, e o
reitor da instituição, João Grandino Rodas, no pleno e voluntário exercício da
autoridade de que foi investido, estão fazendo história.
O episódio é
notório e recente, mas convém resumi-lo para a argumentação ficar clara: em
maio, no ápice de estupros, assaltos relâmpago e outras atitudes violentas de
bandidos que se aproveitavam da falta de policiamento nos espaços vazios da
Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, um estudante foi morto num
assalto. A direção da universidade houve por bem firmar convênio com a PM para
substituir com soldados fardados da corporação os poucos e desarmados agentes de
segurança própria. Ruminando seu ódio contra a presença de agentes da lei num
território que consideram, se não fora, no mínimo, além da lei, funcionários,
docentes e estudantes filiados a grupos de extrema esquerda encontraram num caso
isolado motivo suficiente para armar um fuzuê e tentar forçar a saída dos
policiais de uma área pública da qual se acham donos. Três alunos foram
flagrados fumando maconha e isso deu origem à ocupação de um prédio
administrativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH),
invasão depois estendida à Reitoria. Expulsos pela PM cumprindo ordem judicial,
os invasores foram levados à delegacia e libertados sob
fiança.
Na semana
passada, o professor de Filosofia Contemporânea Carlos Alberto Ribeiro de Moura
reprovou por faltas 60 alunos que não compareceram ao número regulamentar de
aulas para engrossarem o coro dos rebeldes descontentes na greve de novembro. E,
pela primeira vez em dez anos, a USP expulsou seis alunos que, sob idêntico
pretexto de protesto, ocuparam salas da Coordenadoria de Assistência Social
(Coseas) dizendo reivindicar melhoria nas condições de moradia e aumento do
número de vagas no Conjunto Residencial da USP (Crusp), na mesma Cidade
Universitária, no ano passado. Tanto em 2010 como no mês passado, os pretensos
rebeldes quebraram computadores, destruíram prontuários e depredaram os prédios
invadidos, construídos e mantidos com dinheiro público.
Como era de
esperar, os dirigentes de centros acadêmicos e sindicatos de funcionários
acusaram o reitor Rodas de perseguição política, classificando as expulsões de
“autoritárias” e as reprovações impostas por Moura, de “intempestivas”. As
acusações baseiam-se em confusão idêntica àquela com a qual pretenderam
confundir a presença da polícia para garantir a vida das pessoas e exercer a
força legítima em nome do Estado Democrático de Direito com ocupações manu
militari da época da ditadura. Agora o argumento mentiroso é que as
expulsões foram baseadas num regimento introduzido por decreto durante o mesmo
regime arbitrário. O regimento, na verdade, data de 1990, sob a égide da
Constituição de 1988 e de um presidente eleito
democraticamente.
A mistificação
tem o mesmo objetivo cínico de jogar areia nos olhos do cidadão comum, que
sustenta com muito sacrifício os privilégios usufruídos pelos estudantes da USP
e tem como recompensa por isso a destruição de prédios e equipamentos comprados
com seu dinheiro e tendo muitas vezes de pagar escola particular para os
próprios filhos. Os invasores dos prédios em novembro usaram a desfaçatez
deslavada de considerar instrumento de tortura os ônibus em que foram
transportados para a delegacia e tiveram a caradura de se dizer “presos
políticos” durante as poucas horas em que foram fichados pela Polícia Civil
antes de serem liberados sob fiança bancada pelos sindicatos de servidores da
USP. Ou seja, por mim e por você, leitor, pois tais sindicatos, como quaisquer
outros, vivem do imposto sindical arrecadado de um dia de trabalho de todo
portador de carteira assinada no Brasil, sindicalizado ou não. Isto é: os
baderneiros que se amotinaram para deixar o câmpus “sagrado” livre para a
atuação de estupradores, assaltantes, assassinos e traficantes de entorpecentes
destruíram patrimônio adquirido com o suor do cidadão, inclusive o mais pobre, e
foram soltos sob fiança desembolsada por todos os
trabalhadores.
Nem todos os 73
desalojados dos prédios ocupados estavam matriculados na USP. Cabe à autoridade
informar à sociedade o que fazia em tais edifícios gente alheia à atividade
acadêmica fingindo protestar em defesa dela.
Convém lembrar
que quadrilheiros do crime organizado de facções como o Comando Vermelho (CV),
no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, aprenderam nos
cárceres em que a ditadura os misturou com presos políticos o emprego da
definição de “preso político” para conquistarem a simpatia da população e o
beneplácito da autoridade. Os estudantes e seus agregados na invasão não são os
primeiros nem serão os últimos a recorrer ao eufemismo como tábua de
salvação.
Portanto, as
atitudes exemplares do professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura e do reitor
João Grandino Rodas não apenas restauram a autoridade da administração de uma
instituição de ensino e pesquisa que já foi mais respeitada. Elas também
deveriam servir de exemplo em outros ambientes institucionais nos quais a
leniência quanto ao cumprimento da lei e o relaxamento da ordem põem em xeque o
conceito fundamental da democracia, que é o da igualdade de todos perante a
norma jurídica. Nesta República do vale-tudo para alguns e onde nada podem quase
todos, políticos são autorizados a movimentar caixa 2 em campanha eleitoral, o
que não é permitido a cidadãos comuns na escrita de suas contas. A punição a
quem cabulou aulas e destruiu equipamentos na USP deveria servir de ponto de
partida para atitudes semelhantes no exercício da política e na gestão
pública.
Jornalista,
escritor e editorialista do Jornal da Tarde
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