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quinta-feira, 8 de julho de 2010

O quadro que encantou Hitler

João Francisco Neto
É bem conhecido o fato de que Adolf Hitler era um artista frustrado, tendo inclusive produzido algumas telas, de valor artístico duvidoso, segundo os críticos. Há um excelente documentário (Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen) que registra fragmentos da primeira visita de Hitler à cidade de Paris, então sob o domínio nazista. Hitler age como uma criança numa loja de brinquedos: seus olhos brilham e ele fica extasiado com o espetáculo de arte proporcionado pela bela cidade-luz.
Hitler era obcecado por quadros, e dentro dos planos mirabolantes que havia traçado para o 3º Reich estava o de construir o maior museu do mundo, para reunir as mais importantes pinturas e obras de arte. Para tanto, determinou que as tropas nazistas, assim que ocupassem os países, “confiscassem” as melhores telas e esculturas dos acervos locais (na verdade, tratava-se de pilhagem, pura e simples).
Cuidadoso, Hitler tinha uma lista de quadros que, prioritariamente, deveriam ser amealhados, digamos. No topo dessa lista estava uma tela do pintor holandês Johannes Vermeer, cujo título é “Alegoria da Pintura” (Foto). O quadro encontrava-se na Áustria, terra natal de Hitler, e que acabou sendo anexada à Alemanha, na condição de país-irmão.
Mas a história desse quadro é saborosa: logos após a morte do autor da obra, sua esposa doou o quadro para sua sogra, numa tentativa de preservá-lo dos credores. Mas, na execução do inventário, foi determinado que o quadro retornasse ao rol de bens, sendo em seguida leiloado. Pouco tempo depois, foi para as mãos de um colecionador austríaco, de Viena.
Ainda na Áustria, a tela foi transferida para o acervo do conde Czernin, riquíssimo colecionador, que a deixou como herança para apenas dois herdeiros, um irmão e um sobrinho, o conde Jaromir. Em seguida, esse membro da antiga nobreza austríaca fez todas as tentativas possíveis para vender a tela, cujo valor, em 1935, alcançava a surpreendente cifra de um milhão de dólares (ou dois milhões de marcos alemães, à época).
Hitler proibiu a venda, embora ele próprio tenha evitado “confiscar” a obra, uma vez que tudo se passava em sua terra natal, a Áustria. Depois de muitas idas e vindas, inclusive com a intermediação do marechal Göring, o quadro foi finalmente adquirido pelo Führer em 1940, por um valor abaixo do mercado, porém com isenção de impostos.
Pouco tempo antes do final da 2ª Guerra, Hitler transferiu o quadro para um esconderijo, situado num túnel de uma mina de sal, no sul da Alemanha. Com a queda do Reich, as tropas americanas resgataram o quadro, que se encontrava intacto na mina de sal, juntamente com muitas outras obras de arte, da coleção “reunida” por Hitler.
Logo após o fim da guerra, o conde Jaromir declarou-se proprietário do quadro e tentou reavê-lo, alegando que a venda havia sido realizada sob pressão. A questão foi levada à Justiça, que não acolheu os argumentos do conde, que, além de ter realizado exaustivas negociações para a venda da obra, havia comemorado, de forma calorosa, o fato de ter sido adquirida pelo Führer.
Como se vê, sempre houve espertalhões por toda parte, inclusive na nobreza austríaca. Atualmente, o quadro integra o acervo do Museu Histórico de Viena.
João Francisco Neto
Fiscal da Fazenda de SP, mestre e doutorando em Direito junto à Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco)

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