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quinta-feira, 1 de julho de 2010

“Não no meu quintal”

João Francisco Neto
A sociedade pós-industrial vem se defrontando com inúmeros problemas, e, dentre eles, um dos mais inquietantes é a imensa e crescente produção de lixos e resíduos. Há resíduos de todos os tipos: nucleares, eletrônicos, pilhas, baterias, materiais hospitalares, equipamentos, detritos humanos, plásticos, tecidos. Enfim, a lista é enorme e conhecida por todos. E muitos são tóxicos e nocivos à natureza.
A questão que se põe é a seguinte: como, e onde, tratar ou reciclar todo esse material? Aqui, nos deparamos com outro problema: em geral, todos reconhecem a necessidade de tratamento e reciclagem dos resíduos, porém, desde que isso não ocorra próximo a nós, ou seja, desde que não seja nosso quintal. O título deste artigo é uma tradução da expressão inglesa “Not in My Backyard”, que, segundo consta, foi utilizada pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1976, quando as autoridades ambientais do Estado da Califórnia recusaram a concessão de licença para instalação de uma imensa indústria petroquímica, às margens do Rio Sacramento.
O conceito não está vinculado somente a questões ambientais, e pode ser aplicado a outras situações, nas quais um grupo concorda que alguma providência deva ser adotada, mas desde que não tenha de suportar o ônus da proximidade. O caso mais notório, entre nós, é o dos presídios: sabemos que essas instituições são necessárias e têm de ser construídas, porém ninguém as quer em seu município. O mesmo sentimento ocorre em relação aos grandes aterros sanitários, aeroportos, antenas para celulares, e, pasmem, até colégios.
Há pouco, a população do bairro carioca do Leblon rapidamente movimentou-se e impediu a construção de um colégio dentro de seus limites. A alegação é que a escola traria problemas ao trânsito de veículos. Nos Estados Unidos, as coisas foram mais longe: num tranquilo subúrbio de Nova York, quando a vizinhança ficou sabendo que lá iria ser instalada uma casa para receber doentes mentais de um hospital, simplesmente ateou fogo no imóvel. E, antes disso, numa pesquisa efetuada naquele bairro, a maioria havia concordado que os doentes deveriam ser retirados do internamento (mas, desde que não fossem morar justamente no bairro !)
Não há muito tempo, assistimos à chegada de um navio carregado com lixo industrial proveniente da Inglaterra, o qual, aliás, acabou retornando à origem, por determinação das autoridades brasileiras. A produção de lixo por parte dos países industrializados é muito grande, e daí surge o problema: onde depositar todo esse material, pois, afinal, não há interesse, e nem condições, de se reciclar tudo. Há um mercado ilegal, direcionado aos países mais pobres do mundo (em geral, africanos ou asiáticos), que concordam em receber grandes quantidades desses lixos, recebendo por isso dinheiro ou mercadorias. Não é por acaso que a ONU patrocinou a celebração de um tratado sobre a movimentação internacional de lixos e resíduos industriais tóxicos: a “Convenção da Basiléia sobre a Movimentação de Resíduos Tóxicos”, ratificada pelo Brasil em 1993. Infelizmente, de pouca aplicação prática.
A questão de fundo, como se vê, relaciona-se com aspectos éticos do comportamento humano; e, mais ainda, com o comportamento dos grupos da sociedade. Ninguém, ou nenhum grupo, quer suportar o ônus de uma medida como as que citamos acima, ainda que a maioria seja beneficiada. Sempre se procura empurrar o ônus para o outro, e isso ocorre no mundo todo. Aparentemente, o assunto não tem uma pronta solução. Em casos em que um grupo acaba prejudicado, em benefício da maioria, a solução deveria vir pela via da compensação ao grupo que suportou o ônus em favor dos outros. O problema é que nem sempre isso é possível, de forma que, a cada vez mais, aumenta a síndrome do “não no meu quintal”.
João Francisco Neto é fiscal da Fazenda de SP e doutor em Direito (Faculdade de Direito da USP)
jfrancis@usp.br

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