Vamos falar um pouco de física quântica, mas sem sustos. Quem acha complicado, não precisa ter receio, apenas leia e veja que interessante; sem contas, nem fórmulas.
Até onde sabemos, podemos viver em um mundo no qual vidros se "desquebram", xícaras com café esquentam espontaneamente e, por que não, ovos espatifados se refazem. Nós apenas não nos recordamos disso. A explicação é o emaranhamento quântico.
Um físico proclama que vidros podem se desquebrar - mas o emaranhamento quântico não deixa que nossos cérebors se recordem do fato.
Imagine se uma xícara de café frio se esquentasse sozinha, enquanto você a observasse. Ou uma
lâmina de vidro rachada súbitamente se tornasse íntegra. Segundo o físico Lorenzo Maccone, do Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, você vê essas coisas acontecerem todo esse tempo - só não se lembra do ocorrido.
Parece maluquice? Não desanime, vá lendo; prometo manter a leitura suave, os termos inteligíveis. O tempo "corre" numa direção, certo? Podemos chamar isso de "flecha do tempo". Em um artigo publicado semana passada na revista Physical Review Letters, ele tenta dar uma solução ao que tem sido chamado "o mistério da flecha do tempo".
Resumidamente, o problema é que enquanto nossas leis da física são todas simétricas (se você observar, verá que a simetria é uma constante na Natureza: veja um favo de mel, um girassol, u cristal...), ou invariantes no que se refere à reversão do tempo - elas são válidas igualmente se o tempo correr para a frente ou para trás, tanto faz - a maioria dos fenômenos diários que observamos, como o esfriamento do café quente, não são. Eles nunca parecem ocorrer em sentido inverso.
Há uma lei estatística que descreve esses fenômenos corriqueiros, chamada Segunda Lei da Termodinâmica. Essa lei nos diz que a "entropia", o grau de desordem em um sistema fechado nunca diminui. Falando de maneira geral, um processo em que a entropia aumenta é aquele onde o sistema torna-se progressivamente desordenado. Assim, vidros se quebram, aumentando a desordem, mas não se refazem espontaneamente. Gases se dispersam, mas não se comprimem sozinhos.
No entanto, a entropia descreve o que ocorre com um grande número de partículas. Nós presumimos que isso seja oriundo do que ocorre com partíulas individuais, mas todas as leis que governam o comportamento individual de partículas são invariantes, "tempo-reversíveis". Isso significa que qualquer processo que elas permitem ocorrer em uma direção do tempo, também estão autorizados a se desenrolar na outra direção.
Tá bom, legal, mas por que nosso café se esfria sozinho, mas não esquenta?
A solução de Maccone é sugerir que na verdade eventos com redução de entropia (diminuição da desordem, recomposição) ocorrem todo o tempo. Logo, não há assimetria nem qualquer mistério relacionado à flecha do tempo.
Ele argumanta que a mecânica quântica postula que se alguém observa um evento de redução de entropia, sua memória do ocorrido "terá sido apagada por necessidade"
Maccone não quer dizer que suas memórias nunca se formarão no primeiro lugar."O que postulo, é que memórias se formam e são subsequentemente apagadas", diz. Quando você observa um sistema, o mundo à sua volta, você entra em um "emaranhamento quântico" com ele. Isto é, você e o sistema estão emaranhados, e não podem ser descritos separadamente.
O emaranhamento, diz Maccone, é entre sua memória e o sistema. Quando você se desemaranha, "a operação de desemaranhamento apagará esse emaranhamento, nomeadamente, a memória do observador". Seu artigo expõe matematicamente esta conclusão.
Embora não possamos nos lembrar de eventos que retrocedem, como num filme passado de trás para diante, e, consequentemente, ficamos impedidos de estudá-los, Maccone pensa que tais eventos de decréscimo de entropia (ou dimunição da desordem, uma rearrumação) provavelmente ocorrem.
"Se transformações que aumentam a entropia de fato ocorrem - e sabemos que sim - por simetria devemos esperar também transformações que reduzem a entropia - mas não podemos vê-las".
Nem todos, no entanto, estão convictos de que Maccone solucionou o dilema da flecha do tempo.
Um dos problemas é que, como ele sabe, não se pode provar que episódios de redução de entropia ocorrem. Ademais, ele demonstra que, se ocorrerem, não podemos nos lembrar deles.
Considerações a respeito da simetria levaram-no a concluir que elas de fato devem ocorrer. No entanto, é estatísticamente mutio (muito, muito, muito) improvável que a entropia de um sistema macroscópico decresça.
Sim, todo físico sabe disso. Trata-se, pois, de mera questão de probabilidade. Ínfima, no caso da reversão da entropia, mas não nula.
Tem tudo a ver com a maneira como as partículas se movimentam. Em um gás, por exemplo, há muito menos jeitos de as partículas estarem em um estado mais baixo de entropia do que há maneiras de elas entrarem em um estado de alta entropia.
Então, o mais provável estado antes ou depois é o de mais alta entropia - simplesmente porque há muito mais estados assim para o sistema ocupar.
Importante, as estatísticas não preveem uma assimetria, porque sugerem que a entropia não deveria decrescer em direção ao passado, nem em direção ao futuro.
O mistério da flecha do tempo é que a entropia só aumenta na direção do futuro. Pondo a questão de outra forma, por que a entropia de fato decresce na direção do passado, apesar do que as estatísticas preveem?
Maccone diz que se "deve esperar" que a entropia decresça na direção do futuro, já que o faz em relaçao ao passado. Mas as estatísticas mostram que não devemos esperar tal coisa.
É surpreendente que elas aconteçam na direção do pasado e seria duplamente surpreendente que acontecessem na direção do futuro.A simetria não é um motivo para se esperar que o que sabemos seja estatísticamente muito improvável.
Huw Price, chefe do Centro para o Tempo da Universidade de Sydney, acha que Maccone está simplesmente trocando um mistério por outro.
"A proposta de explicar a flecha termodinâmica em termos dos efeitos (quânticos) de observadores tem uma falha óbvia", diz.
"Ela não explica por que todos os observadores têm a mesma orientação no tempo ... Por que alguns observadores não haveriam de se lembrar do que chamamos futuro, e acumular informação no sentido do que chamamos o passado?"
Uma maneira padrão de explicar por que observadores como nós se recordam do passado é apelar para a termodinâmica – o fato de a entropia ser crescente. Essa explicação não contempla Maccone já que sua teoria diz que um fato termodinâmico depende da existência de observadores. tal explicação, para Maccone, seria então circular.
Se Price estiver certo, então Maccone explicou uma assimetria temporal à custa de criar outra que é igualmente difícil de explicar.
E mais, Price pensa que Maccone fez uma assunção assimétrica oculta. Ele argumenta que as correlações quânticas em que Maccone se baseia devem assumidamente ocorrer somente em uma direção temporal, e não em outra. "Mas isso é apenas assumir a conclusão que ele deseja deduzir."
Tenha ou não Maccone solucionado o mistério da flecha do tempo, é algo que não está claro. Mas, para dizer a verdade, eu bem que gostaria que minha xícara de café fria se aquecesse de volta por si mesma. Eu nem mesmo me importo se me lembrar do fato ou não.
Por Michael Slezak, da Universidade de Sydney, Austrália
Is quantum mechanics messing with your memory?
For all we know we may live in a world in which windows un-break and cold cups of coffee spontaneously heat up, we just don't remember. The explanation is quantum entanglement.
A physicist has claimed that glass can un-break – but quantum entanglement prevents our brains from recording the event. Imagine if a cold cup of coffee spontaneously heated up as you watched. Or a cracked pane of glass suddenly un-broke. According to physicist Lorenzo Maccone at the Massachusetts Institute of Technology, you see things like this all the time – you just don't remember.
In a paper published last week in Physical Review Letters, he attempts to provide a solution to what has been called the mystery of "the arrow-of-time".
Briefly, the problem is that while our laws of physics are all symmetrical or "time-reversal invariant" – they apply equally well if time runs forwards or backwards – most of the everyday phenomena we observe, like the cooling of hot coffee, are not. They never seem to happen in reverse.
We have a statistical law that describes these everyday phenomena called the Second Law of Thermodynamics. This law tells us that the "entropy" or degree of disorder of a closed system never decreases. Roughly speaking, a process in which entropy increases is one where the system becomes increasingly disordered. Windows break, thereby increasing disorder, but they will not spontaneously unbreak. Gases will disperse but not spontaneously compress.
However, entropy describes what happens with large numbers of particles. We presume that it must arise from what happens with individual particles, but all the laws that govern the behaviour of individual particles are time-reversal invariant. This means that any process they allow in one direction of time, they also allow in the other.
So why will your coffee spontaneously cool down, but not heat up?
Maccone's solution is to suggest that in fact entropy-decreasing events occur all the time – so there is no asymmetry and no associated mystery about the arrow of time.
He argues that quantum mechanics dictates that if anyone does observe an entropy-decreasing event, their memories of the event "will have been erased by necessity".
Maccone doesn't mean that your memories will never form in the first place. "What I'm pointing out is that memories are formed and then are subsequently erased," he tells me.
When you observe any system, according to Maccone, you enter into a "quantum entanglement" with it. That is, you and the system are entangled and cannot properly be described separately.
The entanglement, Maccone says, is between your memory and the system. When you disentangle, "the disentangling operation will erase this entanglement, namely the observer's memory". His paper derives this conclusion mathematically.
While we cannot remember our cups of coffee re-heating, and hence cannot study them, Maccone thinks that entropy-decreasing events like that must happen.
"If transformations that increase the entropy do occur – and we know that they do – by symmetry we should expect also transformations that decrease the entropy – but we cannot see them."
I'm not convinced that Maccone has solved the dilemma of the arrow of time, and I'm not alone.
One problem is that, as he acknowledges, he cannot prove that entropy-decreasing events occur. Rather, he shows that if they do, we won't remember them.
Concerns about symmetry lead him to conclude that they must in fact happen. However, it is statistically very (very, very very) unlikely that the entropy of a macroscopic system will decrease.
It's all down to the way particles move around. In a gas, for example, there are many fewer ways in which the particles can be in a lower entropy state than there are ways for them to be in a higher entropy state. So the most likely state either before or after is one of higher entropy – simply because there are many more such states for the system to occupy.
Importantly, the statistics of entropy do not predict an asymmetry, because they suggest entropy should neither decrease towards the past nor decrease towards the future.
The mystery of the arrow of time is that entropy only increases towards the future. Put another way, why does entropy actually decrease towards the past, despite what the statistics predict?
Maccone says that "we should expect" entropy decreases towards the future since they occur towards the past. But the statistics show us that we should expect no such thing. It is enormously surprising that they happen towards the past and it would be doubly surprising if they happened towards the future. Symmetry is not a reason to expect what we know is statistically extremely unlikely.
Huw Price, head of the Centre for Time at the University of Sydney, thinks Maccone is simply trading one mystery for another.
"The proposal to explain the thermodynamic arrow in terms of the [quantum] effects of observers has an obvious flaw," he says. "It doesn't explain why all observers have the same orientation in time ... Why don't some observers remember what we call the future, and accumulate information towards what we call the past?"
A standard way of explaining why observers like us remember the past is by appealing to thermodynamics – the fact that entropy is increasing. This explanation is unavailable to Maccone since his theory takes that thermodynamic fact to depend on the existence of observers. Such an explanation, for Maccone, would thus be circular.
If Price is right, then Maccone has explained one temporal asymmetry at the expense of creating another that is equally hard to explain.
What's more, Price thinks that Maccone has made a hidden asymmetrical assumption. He argues that the quantum correlations Maccone relies on must be assumed to happen only in one temporal direction and not the other. "But that's just assuming the conclusion he wants to derive."
Whether or not Maccone has solved the mystery of the arrow of time is unclear. But to tell the truth, it would suit me just fine if my cold cup of coffee heated back up all on its own. I don't even care if I remember it happening or not.
Michael Slezak is a freelance journalist and teaches the philosophy of science at the University of Sydney, Australia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário