De lorota em lorota, Dilma tenta adiar o ostracismo o
quanto pode à custa da Nação
O comparecimento da presidente
afastada, Dilma Rousseff, ao julgamento de seu impeachment foi agendado e ela
tratou na semana passada com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros
(PMDB-AL), do rito a ser adotado na sessão. Foi-lhe atribuída a intenção de
reverter a crônica da condenação anunciada com um discurso capaz de constranger
oito dentre os julgadores, que foram seus ministros, a votar por sua volta,
depois de terem aprovado a pronúncia dela na votação anterior. Eles figuraram
entre os 55 favoráveis a seu afastamento, e não entre os 21 que decidiram
paralisar o processo, menos da metade dos 43 necessários (metade mais
um).
O crítico severo poderá achar
destemperado o gesto, o que condiz com seu temperamento tempestuoso. Mas é
contrário a todas as leis da probabilidade e da lógica. Pois é Dilma a maior
responsável pelo calvário que ela mesma, seu criador, Luiz Inácio Lula da Silva,
e o Partido dos Trabalhadores (PT), de ambos, estão vivendo neste agosto de seu
desgosto. Em março de 2014 o Estadão publicou documentos, até então
inéditos, revelando que em 2006, quando era ministra da Casa Civil e presidente
do Conselho de Administração da Petrobrás, ela aprovou a compra onerosa de 50%
de uma refinaria da belga Astra Oil em Pasadena, no Texas (EUA). Divulgada a
notícia, explicou a discutível decisão dizendo que só a apoiou por ter recebido
“informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”. Sua
primeira manifestação pública sobre o tema foi chamada, e com toda a razão, de
“sincericídio”.
Pois às vésperas de se impor
como candidata à reeleição presidencial, contrariando a vontade de Lula,
responsável por sua eleição em 2010, Dilma acendeu o estopim de uma bomba que
viria a explodir no colo de ambos, ao delatar e encalacrar o ex-diretor
internacional da petroleira, Nestor Cerveró. Aí, este, como delator premiado na
Operação Lava Jato, virou um algoz de que Lula e ela não se livraram e, ao que
tudo indica, nunca se livrarão.
A expulsão de Lula do páreo
provocou ressentimento nesse patrono de seus triunfos. Apesar de tudo, Dilma
reelegeu-se. Mas isso complicou seu desempenho no cargo em quase todas as
decisões importantes que tomou, ou deixou de tomar. Ela obteve 51,64% dos votos
e Aécio Neves, do PSDB, 48,36%. A diferença foi de 3,4 milhões. Essa foi a menor
margem de sufrágios em segundo turno desde a redemocratização. No entanto, ela
reagiu como se tivesse obtido a votação total. Em contraste com a atitude
educada do opositor, que a saudou pela vitória, afirmou: “Não acredito que essas
eleições tenham dividido o País ao meio.” Assim, inaugurou uma falsa aritmética,
na qual o mais sempre vale tudo.
Seu primeiro erro fatal, após
empossada pela segunda vez, foi atender a seus espíritos santos de orelha Cid
Gomes e Aloizio Mercadante Oliva, entrar na fria de enfrentar Eduardo Cunha e o
PMDB do vice eleito com ela, Michel Temer, e apoiar Arlindo Chinaglia (PT-SP) na
disputa pela presidência da Câmara. Perdeu no primeiro turno por larga maioria,
na primeira de uma série de derrotas que, mesmo nas vezes em que teve apoio de
menos de um terço, ela nunca aceitou.
Tentando corrigir esse erro,
ela prometeu os votos do PT no Conselho de Ética da Casa para evitar a punição
de Cunha, que, acusado de corrupção ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostrara força reduzindo a pó
projetos do governo com “pautas-bomba”. Só que o PT lhe puxou o tapete, negou
apoio ao desafeto e aprofundou o fosso que a separava do parceiro majoritário na
base parlamentar. Cunha virou algoz, aceitando o processo de impeachment contra
ela da lavra de um fundador do PT, Hélio Bicudo, do ex-ministro da Justiça do
tucano Fernando Henrique Miguel Reale Júnior e da professora de Direito da USP
Janaína Paschoal.
Nos 272 dias sob julgamento no
Congresso – 160 no cargo e 112 dele afastada (se for mesmo impedida em 1.º de
setembro) – ela atribuiu o dissabor à “vingança” de Cunha. Este, de fato, o
abriu, mas não foi decisivo na maioria contra ela na comissão da Câmara (38 a
27), composta à feição dos interesses de sua defesa por intervenção do STF. Nem
em mais quatro sessões: duas na comissão (15 a 5 e 14 a 5) e duas no plenário do
Senado (55 a 22 e 59 a 21). E mais: mesmo tendo até agora logrado adiar sua
cassação, o ex-presidente da Câmara não provou ter os votos de que precisa para
manter o mandato.
Outra conta de seu lorotário é
a do presidente em exercício, seu único sócio na chapa vencedora de 2014, com
54,5 milhões de votos. Temer tem o dever funcional, exigido pela Constituição,
de assumir seu lugar, não merecendo, assim, as acusações que amiúde ela lhe faz
de “traidor e golpista”.
Na dita “mensagem ao Senado
Federal e ao povo brasileiro”, divulgada em palácio e na presença decorativa de
repórteres, ela repetiu as lorotas de hábito. Pela primeira vez reconheceu ter
cometido um “erro”. Este seria a escolha do vice e, em consequência, a aliança
com o PMDB. Esqueceu-se de que sem esses aliados não teria sequer disputado o
segundo turno em 2010 e 2014. Comprometeu-se ainda a adotar “as medidas
necessárias à superação do impasse político que tantos prejuízos já causou ao
povo”. Sem contar sequer com um terço do Senado e da Câmara, cujas decisões têm
sido referendadas pelo STF, contudo, a única medida que ela poderá tomar será
imitar Fernando Collor, atualmente seu prestativo serviçal, e renunciar. Para
tanto, contudo, a Nação não aceita pacto de nenhuma espécie, seja a imunidade
penal pessoal, seja outro privilégio. Não tem, muito menos, como convocar
plebiscito para eleger quem cumpriria o resto do mandato, se a ele
renunciar.
Só lhe restará, então, voltar
ao merecido ostracismo, do qual não deveria ter sido retirada, e responder pelos
vários crimes de que é acusada – e nega.
Jornalista, poeta e
escritor
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