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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Quem nunca comeu melado quando come se lambuza!


Roberto DaMatta


Eis uma pérola da sabedoria tradicional, ressuscitada pelo inconsciente do ministro-chefe da Casa Civil, o lulopetista Jaques Wagner, numa entrevista concedida à Folha de S. Paulo, no dia 3 deste tenebroso janeiro de 2016. Ao lado da entrevista da presidente, no dia 7, ela dá uma medida clara da nossa lambuzagem.


A suprema mandatária da nação - num misto de meditação e descoberta psicológica - admite que "errar  é humano!". Diante do tamanho do axioma, toda incompetência e má-fé, além dos pixulecos cometidos nesses 14 anos de governo do PT, podem ser esquecidas. "Não há coelhos na cartola", reitera Dilma, repetindo Jaques Wagner, o hoje lambuzado compositor-chefe da Casa Civil.

Estamos vivendo um clima de magia. 0 Brasil deixa de ser o "jambon" de Lima Barreto, para virar o mel de engenho sorvido a indigestão, pelos gerentes gatunos do lulopetismo em todo lugar. Esses passes de mágica, contudo, nao aliviam. Pelo contrário, dão a toda pessoa responsável uma enorme e nada poética vontade de se matar. Coelhos e lambuzados são hoje, vejam o tamanho da desonra!, os emblemas de um Brasil que se suicida.

Como um estruturalista canhestro, embora pioneiro, não posso deixar de observar que o ditado invocado por Jaques Wagner desvenda os tabus de um governo manifestamente desenhado para o povo, mas que, em latência, se lambuzou, como jamais se viu na hist6ria do capitalismo, no melado do poder tal como o poder é vivido no Brasil.

Quando um escolado politico menciona numa entrevista que "Quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza", usando o ditado como uma metáfora para ocultar o comportamento injurioso do governo, ele, sem querer, entrega o inconsciente do lulopetismo.

Cabe a indagação: como um comentário tão politicamente (in)correto, saiu de um petista tão
consciente da sua (in)correção? Eis uma entrevista digna de um Pedro Malasartes - esse padrinho de todos os macunaímas e malandros nacionais, hoje promovidos a canalhas.

Alem de ser uma verdade, a invocaçãoo do ministro revela - no momento em que escrevo, leio que J. Wagner está envolvido em mais uma familiar troca de pixulecos - um preconceito aristocrático. Ela diz que quem está fora de sincronia com sua posição social se lambuza. Acaba, como afirma o ministro, reproduzindo "metodologias" fora de lugar.

Comer melado, lambuzando-se, tem, no nosso vasto almanaque de preconceitos reveladores de um viés hierárquico, o claríssimo: "X ou Y
- Você leitor, define o sujeito - quando não faz na entrada, faz na saída!".

0s ditados bradam por um limite social para quem pode estar no poder. Com os que tudo sabem e tendo o direito de comer mais do que podem, dão um passo maior que as pernas e se lambuzam. Na sua folclórica defesa, o ministro admite que o PT assim procedeu e hoje paga o preçoo por esse descuido depois de 14 anos de poder!

Uma fome insaciável de mel confirma a falta de modos a mesa. Em política, essa fome insaciável denuncia os que têm "um olho maior do que a barriga" típico dos corrompidos. Num caso, querem todo o melado; no outro, quase (espero!) compraram a República.

Lambuzar-se no mel do poder (ou do poder comido como mel) e (e eu tenho afirmado isso faz tempo) uma manifestação do governar à brasileira. O besuntar-se mostra como o poder é usado, abusado e possuído por um grupo que - como "governo" - dele se utiliza como
bem entende, familisticamente. Raymundo Faoro acertou na mosca ao falar em "donos do poder". Entre nós, o poder, como o mel descrito e analisado por Levi-Strauss nas suas Mitológicas, é um poderoso adoçante associado ao mundo sobrenatural.

0s meis ricos em levulose de certas abelhas, "possuem" - observa Levi-Strauss no seu livro Do Mel as Cinzas - sabores tão marcantes que se tornam quase intoleráveis. Um gozo mais delicioso do que qualquer um daqueles proporcionados habitualmente pelo paladar e pelo odor perturba os liminares da sensibilidade e confunde seus registros. Ja não sabemos mais - como redescobre o nosso Wagner, o "compositor" - se degustamos ou se ardemos de amor. Mas, como contraponto, ha tambem méis alcalinos, que são laxantes e perigosos! 

Produzidos por abelhas "feiticeiras" ou "vamo-nos embora".
Eis uma minúscula amostra da sabedoria de um especialista em olhar distanciado a elucidar o olhar próximo, possessivo e ávido do ministro, que admite como o seu partido queria extrair toda a doçura do poder, mas, infelizmente, lambuzou-se.

A metáfora revela-se muito mais correta do que imagina a nossa vã ignorância. O mel de pau, a ser procurado na floresta, e o melado de cana, produzido por braço escravo nos engenhos baianos, são tão gostosos que sobrepujam o comedimento, o pudor e a honestidade. Doces e sedutores, eles, porém, melam e grudam, denunciando a sofreguidão dos seus comedores.

Nao é, pois, por acaso que o mel natural dos ameríndios tem laços com o jaguar e com o fogo
civilizatório da cozinha que lhe pertencia. Já em outros mitos, seu paladar extraordinário delata uma insaciedade a ser punida, porque ultrapassa os limites da decência.

0 mel, como o poder, pune o lambuzado, conforme confirma o ministro lulopetista, que hoje entra, como mais um papa-mel, na mira das procuradorias republicanas.
Quem nunca comeu melado q...                                                                     
        

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