José
Nêumanne
Presidente
reclama da idade da aposentadoria: “jovens nascem mais e nós morremos
menos”
A
sequência de medidas provisórias e a nova regulamentação da Lei Anticorrupção,
que na prática anulam o sentido do prefixo, que quer dizer contra, revelou a
total desistência do mínimo de pudor pelo desgoverno Dilma no findo ano de 2015.
A mudança da condição de 50 anos após a morte para 10 para que se lhe permita
outorgar o título de Herói Nacional a Leonel Brizola, sem motivo aparente que
não o de atormentar o vivo Luiz Inácio Lula da Silva, põe em dúvida a sanidade
mental de quem a promoveu. Pois sobram problemas para a chefe do desgoverno
enfrentar neste grave momento e não faltava nesta hora aziaga uma decisão sem
motivo sério algum em meio à recessão brutal e a um processo de impeachment,
que, na verdade, mal começou.
Mas
a presidente não desiste de nos surpreender e nos tem propiciado mais do mesmo
em seu estilo pouco sagaz e nada sutil, sem lógica e com ousadia imodesta. Há
uma semana, seu padrinho Lula lhe ocupou a agenda com oportuno jantar (à véspera
de um depoimento de cinco horas à Polícia Federal). E nele exigiu dela
entusiasmo e otimismo. A sucessora não se fez de rogada e convidou os setoristas
do palácio para um café da manhã, sob a égide de uma exibição de falsas flores
do recesso e coroado com um selfie cretino que irradia, do lado dela, um
absurdo desconhecimento da gravidade da crise e, do ângulo dos encarregados da
cobertura da Corte desapegada aos fatos, um grau similar de alheamento
brechtiano da realidade.
O
pessedista pernambucano Thales Ramalho cunhou a expressão flores do recesso para
definir o truque de políticos espertos de irem a Brasília nas férias para
ocuparem tempo e espaço – às vezes com destaque – nos meios de comunicação
revelando fatos irrelevantes que no cotidiano do quadro político não tinham como
merecer importância. Lula mandou Dilma ser irrealista, ela obedeceu e os
repórteres pareciam dizer, sem ligar a mínima para seu público, assolado por
falências e desemprego: “Se fui pobre, não me lembro”.
Os
semblantes deslumbrados de Dilma com o poder que se esvai e dos jornalistas com
a proximidade da glória efêmera e rara contrastam com as notícias da planície,
que são de fazer chorar. No congraçamento pré-carnavalesco em pleno recesso da
recessão, a presidente festejou vitórias eventuais e inconsistentes no processo
do impeachment. Mas, entrementes, o anúncio da inflação de 10,67% em 2015, a
mais alta desde 2002, é a pior de uma série de notícias ruins, como o retorno de
3,7 milhões de pobres da classe C às classes D e E. E desolador é que, no “país
do futuro” (apud Stefan Zweig), o desemprego de patrícios entre 15 e 24
anos deve ter sido de 15,5% em 2015 – maior do que a média mundial no ano, de
13,1%.
A
maior novidade contada por ela agrada a pouquíssimos: deverá reunir-se no café
com setoristas em 2017, porque o profeta Lula de Caetés, o vice Temer, que se
refestela no poder à sombra, e Madre Marina acham que o impeachment morreu, mas
não foi enterrado. As exéquias são previstas para depois do carnaval, época em
que a Quarta-Feira de Cinzas terá ares de terça-feira gorda. Ao menos nos salões
do palácio onde o escárnio vira orgia do acinte a desafiar cidadania e
República, corroídas pelos ratos.
Ninguém
achou um só deslize que ponha sob suspeita sua honra pessoal – repete Dilma. Não
lhe falem no rombo das propinas da Petrobrás, na capivara de sua protegida
Erenice Guerra nem nas dúvidas sobre o comportamento do fiel Walter Cardeal,
diretor da Eletrobrás. Para limpar as fichas dos espíritos santos de orelha
Jaques Wagner e Edinho Silva madama conta com o pretexto do “vazamento
seletivo”, agora comprometido pelo destaque à citação de Fernando Henrique na
delação de Cerveró. E com o beneplácito alugado do baixíssimo clero (nas
profundezas de pré-sal) da Câmara, liderado por Leonardo Picciani. Só não dá
mais é para soltar o líder Delcídio “do” Amaral.
Palavras
impressas em papel não têm como ser fiéis a mais uma confissão de probidade
feita pela presidente naquele repasto. A frase “tenho clareza de que tenho sido
virada dos avessos” é um exemplo cabal da desconexão entre seu discurso e os
dicionários existentes. Quantos e quais são os avessos de Dilma? Terá ela mais
de um avesso (o lado oposto ao dianteiro) ou quis dizer às avessas (ao
revés)?
É
impossível adivinhar onde encontrou o plural de uma palavra singular para se
eximir da evidência de que deixou tanta gente roubar tanto sem nunca ter
percebido. Não dá para entender tal sentido oculto na leitura, ainda que atenta.
Para isso há que assistir às pausas súbitas, às sílabas atropeladas e aos
aflitos apelos à compreensão dos interlocutores. E isso só é possível vendo-a e
ouvindo-a na televisão. O jeito de dizer a frase sem nexo importa mais do que a
falta de nexo de sua fala. Pois denota o cansaço desesperado que Dilma expõe ao
repetir infindas vezes algo que considera óbvio, mas não consegue comprovar e
assim convencer quem tente, sempre em vão, ouvi-la e entendê-la. Da outra ponta
da linha, assediado de todos os lados pela crise, o pobre brasileiro só pode
ficar mais exausto e mais desesperado do que ela própria.
Dilma
disse ainda que ninguém devia aposentar-se aos 55 anos. “Nós estamos morrendo
menos. E os jovens estão nascendo mais”, justificou-se. Estas patacoadas estão à
altura da transmissão da tríplice epidemia pelo ovo do mosquito, da glorificação
da mandioca e da sagração da mulher sapiens. Não querem dizer nada e nada
indicam. São somente novas pérolas da língua particular de Sua Excelência,
tratada comme il faut por Celso Arnaldo Araújo no livro O Dilmês.
Criará um ministério para traduzi-la?
Após
ouvir que a CPMF é um problema de saúde pública, o contribuinte a ser assaltado
entende perfeitamente que terá de pagar pelo 2016 feliz que Dilma se almeja.
Pois sabe que só lhe restará pagar a conta de um problema de saúde pública sem
jeito: o desgoverno dela.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado
na Pag.2ª do Estado de S. Paulo de quarta-feira 13 de janeiro de
2016)
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