José Nêumanne
Não
terá o povo cansado de sair de casa para berrar e não ser ouvido pelos
políticos?
Em
17 de junho de 2013, cerca de 2 milhões de brasileiros protestaram nas ruas
contra o statu quo. Em 15 de março deste ano, cidadãos em número similar
queixaram-se de Dilma, Lula e do PT deles. Em 12 de abril, 660 mil. Em 16 de
agosto, 790 mil. Neste domingo, 73 mil exigiram impeachment, cassação, deposição
ou renúncia da presidente Dilma Rousseff. O povo está se calando? Ou já se
cansou de berrar o óbvio, à toa?
Para
entender o esvaziamento progressivo das ruas este ano convém, primeiro, ouvir o
que dizia quem saiu de casa e relatar como a elite política dirigente do País
lhe respondeu. Em 2013, o Movimento Passe Livre (MPL) convocou protestos contra
o aumento de tarifas de transporte urbano e evoluiu para reivindicar a
gratuidade. A multidão aproveitou para exigir direitos que a Constituição
garante e os três Poderes da República lhe negam: segurança pública, saúde e
educação, principalmente.
Quem,
em sã consciência, garante que o povo foi atendido? Fingindo só ter percebido o
pedido de dispensa de R$ 0,20, governadores, entre eles o paulista Geraldo
Alckmin, do PSDB, e prefeitos de grandes cidades, incluído o paulistano Fernando
Haddad, do PT, adiaram o aumento, fingindo que assim eliminariam a causa da
revolta. Mitigariam a ira popular por R$ 0,20 a cabeça?
Ledo
e ivo engano, dir-se-ia na minha adolescência em Campina Grande, quando grande
parte dos adolescentes sabia ler. O PT no poder, sob a égide de Dilma Rousseff,
fez ouvidos surdos ao clamor e prometeu Constituinte exclusiva para reforma
política, com financiamento das milionárias campanhas eleitorais dos políticos
pelo suado dinheirinho escasso do cidadão. Mera embromation, diz-se na
pré-adolescência de meu neto. E a oposição prometeu dar o que o povo pedia e o
governo não atendia. Só que não contou como. Um ano e meio depois, Dilma e o PT
venceram Aécio e o PSDB. Se o pleito foi fraudado, como muitos desconfiam,
ninguém na rua jamais saberá, pois é impossível recontar
votos.
O
que qualquer cidadão que protestou contra gregos e baianos no inverno de 2013 e
contra o 13 petista nas quatro estações no primeiro ano do segundo desgoverno
Dilma viu foi tudo piorar muito nestes 30 meses. Inocentes morrem em tiroteios
nos bairros pobres de grandes cidades em maior número do que antes. E a saúde
pública, totalmente sucatada, não honra seu patrono, Oswaldo Cruz, que expulsou
o Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, destes tristes trópicos há
cem anos. Mas este voltou para ficar em pleno século 21, transmitindo dengue,
zika e chikungunya antes mesmo de o ovo virar inseto, segundo explicação da
douta presidenta no ápice de sua sesquipedal ignorância sobre todos e
tudo.
O
símbolo da educação desbaratada são sem-teto organizados, black blocs alucinados
e partidecos de extrema esquerda sem eleitores que, beneficiados pelo
aparelhamento generalizado dos Poderes republicanos, invadem escolas públicas no
Estado mais rico da Federação. Enquanto o governo tucano brinca de fechar e
reabrir escolas ao sabor da queda nos índices de popularidade.
Essa
explicação não é única. Há outra, além da falta de líderes à altura da crise, do
curto prazo da organização e da proximidade das festas de fim de ano: é que
todos concordam quanto ao diagnóstico da situação, mas falta consenso sobre o
que fazer para lhe dar o xeque-mate. A solução para a crise, ulula o óbvio
(apud Nelson Rodrigues), será tirar de Dilma qualquer poder. Todos sabem
que ela condescendeu com a metástase do câncer moral que nos assola, erigiu
tijolo por tijolo a ruína econômica, como o faz na transposição do Véio Chico, e
afagou a fera política com as garras da arrogância e da ignorância que formam
sua personalidade. E é incapaz de debelá-las pelas mesmas deficiências próprias
que as produziram: como poderá liderar a conciliação se não convive em paz
sequer com o seu vice?
A
carta de desamor de Michel Temer a Dilma é criticada por explicitar o
fisiologismo reinante no presidencialismo de coalizão, que vira de colisão – o
caso no momento. Nunca antes na História tantas queixas pessoais exibiram com
tanta crueza as mazelas deste sistema que joga o público na
privada.
Três
processos dentro dos conformes do Estado Democrático de Direito se propõem a
remover o obstáculo à pacificação nacional e à entrega da administração a
gestores com QI de mais de dois dígitos. Impeachment, ação no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) investigando uso de propina no financiamento da campanha
presidencial e votação no Congresso da violação explícita da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que a presidente jurou cumprir, não são lana caprina.
Mas talvez nem a divulgação pelo Valor Econômico de documento obtido por
Leandra Peres, revelando o que os “juristas” vassalos do Planalto não
conseguirão provar que ela “jura” que não sabia, tenha o condão de evitar que
5.600 trabalhadores percam o emprego no Brasil diariamente sob o jugo de uma
chefe de governo que tem provado diuturna, noturna e madrugadurnamente não saber
de nada em geral.
A
Nação suporta o Legislativo contaminado por presidentes da Câmara e do Senado
investigados por corrupção milionária. E a oposição muda ao capricho do vento,
só que na direção contrária, não sendo alternativa de poder e só gemendo no muro
das lamentações.
Tardando
a enquadrar os maganões, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo
Tribunal Federal (STF) negam à cidadania o tratamento igual dado pelo juiz
Sergio Moro, pela PF e pelo MPF na Lava Jato, que processam ricos e pobres sem
distinção. Ao distinguir quem tem mandato de quem não tem, PGR e STF tornam
letra morta a igualdade de todos perante a lei. Nesta democracia capenga, em que
uns são mais iguais que outros e não se ouve o cidadão, é o caso de trocar o
Hino Nacional pela canção do Ultraje a Rigor: “Inútil! A gente somos
inútil!”.
Jornalista,
poeta e escritor.
(Publicado
na PagA2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 17 de dezembro de
2015)
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