Artigo gentilmente autorizado pelo autor, Hermano de Melo
Conforme se noticia, até o ano de 2013, o Brasil terá 409 usinas de álcool etílico (etanol) produzido a partir da cana-de-açúcar. Isto significa que o país, atualmente com 336 unidades, vai ganhar em média uma usina de álcool e açúcar por mês nos próximos seis anos! E mais: além das 73 usinas já confirmadas, há hoje mais 189 consultas em andamento, tanto para construção como para ampliação de unidades já implantadas. Para isso, investidores brasileiros e estrangeiros vão aplicar 14,6 bilhões de dólares nesse mesmo período. Imaginem então o boom etílico que irá ocorrer após os recentes encontros de Bush e Lula. Só em Mato Grosso do Sul, existem atualmente 11 usinas de álcool já instaladas e serão mais 29 até 2009. Os investimentos previstos são da ordem de 9,2 bilhões de reais, 25 municípios serão beneficiados, 80.595 novos empregos criados, 3,4 bilhões de litros de álcool produzidos e uma área adicional plantada de um milhão de hectares de cana. A quantidade de álcool produzida será tanta que haverá a necessidade de construção de um Poliduto (a mania agora é essa!) em conjunto com os estados do Mato Grosso e do Paraná, mas para isso é necessário que se produza pelo menos 2,5 milhões de metros cúbicos de etanol até 2009! Ou seja, dentro em breve, o Estado que já foi do boi, hoje da soja, transformar-se-á em Estado do Etanol! O usineiro José Pessoa de Queiroz afirma que “as grandes reservas de petróleo coincidem com sérios conflitos sociais e disputas tribais e religiosas crônicas. Perto disso, o álcool é o combustível da paz” (de onde será que ele tirou isso?). Mas, como diz o consultor de investimentos Luiz Leitão, em recente artigo: “o álcool não se tornará, em tão curto prazo, a redenção do país. Manchetes eufóricas alardeiam números díspares e dão pouco destaque aos eventuais inconvenientes que a plantação massiva de cana poderá causar. As promessas são muitas e soam exageradas, como esta de se fazer do etanol uma commodity, sob o argumento de que a padronização facilitará as vendas mundiais”.E é justamente aí que o “bicho pega”. Primeiro, porque o futuro ‘Estado Etílico’ brasileiro – a julgar pelas experiências do Brasil-Colônia, no Nordeste, e mais recentemente no interior de São Paulo, em especial na região de Ribeirão Preto – é tão ou mais excludente do ponto de vista econômico-social que o ‘Estado do boi’ ou o ‘da soja’. Embora empregue mais gente – e isso enquanto a mecanização total da lavoura não chega aos canaviais – as indústrias de açúcar e álcool fornecem empregos temporários, nos período de safra e, ao final desta, despede um grande contingente de trabalhadores rurais como se fossem verdadeiros objetos descartáveis (na verdade, muitas vezes, um monte de bóias-frias, sem carteira de trabalho assinada e submetidos a um regime de trabalho que se aproxima muito ao da escravidão branca). Além disso, as indústrias de açúcar e álcool e os canaviais que as alimentam são tão ou mais poluidoras do meio ambiente que as criações de gado bovino ou as plantações de soja, não apenas devido ao vinhoto produzido, mas também pelas queimadas dos canaviais quando estes chegam ao ponto de colheita. Além de desmatar áreas importantes do ponto de vista ecológico, mesmo em se tratando de cerrado, a cultura da cana – a exemplo da do eucalipto – lembra muito aquelas florestas monótonas, semelhantes a um ‘samba de uma nota só’, onde os únicos animais que ali se instalam são as formigas e nada mais.Nesse sentido, uma charge de Angeli, exibida recentemente na Folha de São Paulo, retrata bem a realidade atual do ‘boom etílico’ brasileiro, intitulada: “Álcool: o mundo de olho em nossa tecnologia”. Nela, um grupo de bóias-frias se alimenta no meio de um canavial fechado e um deles diz: “- Ah, fico meio encabulado em ter de comer com a mão diante de tanta gente!” Um primor.
Hermano de Melo é Médico Veterinário e Escritor. Vive em Campo Grande (MS). Seu email é hermelo@terra.com.br
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