No impeachment
de Dilma, Lewandowski atua como mordomo conferindo a
despensa
Por que Michel
Temer foi vaiado na abertura da Olimpíada Rio 2016? Porque no Maracanã “vaia-se
até minuto de silêncio”, como constatou Nelson Rodrigues? Porque ele é o mais
poderoso membro da impopular elite dirigente política nacional? Porque está
comandando um “golpe branco e manso” contra a presidente reeleita em 2014? Das
hipóteses acima é possível apostar apenas na última, não por ser verdadeira,
pois não é, mas porque 32% da população brasileira, ou seja, menos de um terço,
acredita nessa bazófia. Os fatos conspiram contra as outras: Médici foi
aplaudido unanimemente por torcidas antagonistas na época mais brutal e menos
democrática da História de nossa insana República. E na noite de 5 de agosto
houve aplausos de delírio para Giselle Bündchen, ídolos da Música Popular
Brasileira ou para a pira olímpica que virou sol.
Saiba quem ouviu
a vaia e calou (consentindo-a?), mesmo sem considerar os aplausos, que os houve,
que Temer é só o que “temos para o jantar”. Se Dilma Rousseff, do PT, for mesmo
impedida, o vice, do PMDB, eleito juntamente com ela pelos mesmos 54 milhões de
eleitores que a preferiram a Aécio Neves, do PSDB, em novembro de 2014, assume
seu lugar por ser essa sua obrigação funcional, conferida na Constituição
vigente. Apenas se voluntariamente ele se negar a cumprir seu dever se
considerará a hipótese de substituição pelo vencedor de uma eventual eleição,
direta se for este ano e indireta (ou seja, pelo Congresso) se convocada a
partir de 2017. Talvez essa seja uma boa causa para os apupos, se se considerar
que ele foi cúmplice da má gestão da titular da chapa, responsabilizada pela
maior crise ética, econômica e política da História.
Desobrigada pelo
afastamento, Dilma, ela mesma vaiada e xingada na abertura do Mundial da Fifa de
2014, ausentou-se do estádio para evitar esse dissabor. Do qual, aliás, não
escaparia nenhum mandatário de nenhum dos Poderes republicanos. Nem mesmo alguns
colegas de ofício do popular Sergio Moro seriam poupados.
Salvo a exceção,
que inspira imitadores, do citado Moro, o Judiciário também não goza de boa
fama, mormente após seu ápice de popularidade, durante a transmissão pelas TVs
por assinatura das sessões do julgamento do chamado mensalão. Joaquim Barbosa,
então herói, antecipou a aposentadoria, deixou sem justa causa seus fãs órfãos e
os dispersou ao assumir a defesa da causa mais impopular da História
republicana, “Fica, Dilma”, não defendida sequer pelos militantes contra o
“golpismo”, que só usam como cavalo de batalha o “Fora, Temer”. Para complicar,
o desacreditado antagonista do relator no mensalão, Ricardo Lewandowski, assumiu
a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após ser tido
pelo público como defensor avançado da causa dos petistas acusados de corrupção,
o ministro indicado pelo amigo de longa data em São Bernardo do Campo Luiz
Inácio Lula da Silva, sob cuja égide foi eleito e reeleito o poste Dilma e uma
organização criminosa perpetrou o saque ao Tesouro, passou a comportar-se como
chefão sindical de pares e servidores. Porta-bandeira de reivindicações
salariais de funcionários e ministros em plenos quebradeira de empresas e
desemprego de operários, ele se permitiu funcionar como supremo árbitro de todas
as querelas, deixando a impressão de abusar das próprias prerrogativas de chefe
de Poder.
Nesse afã,
omitiu sutilezas do passado, ao assumir o comando do processo de impeachment da
presidente afastada, que devia ser aberto pela Câmara e julgado no Senado. A
inércia dos parlamentares o ajudou: por 66 anos, estes nada fizeram para
reformar uma circunstância específica da Constituição de 1946, que transferiu o
comando do julgamento do processo político de impedimento do presidente para o
chefão do Judiciário, já que o vice era presidente do Senado e, como parte
interessada, não poderia comandar a votação.
Para tanto
contou com cumplicidade generalizada. Como ninguém atentou para o detalhe, ele
não se fez de rogado em rebaixar a encarregada apenas de dirimir dúvidas de
técnica processual a árbitra intrometida de questiúnculas regimentais. Sob sua
presidência, os colegas do STF massacraram o direito democrático elementar da
candidatura avulsa de parlamentares, tão eleitos pelo povo quanto a chefe do
Executivo, para atender aos interesses dela na composição da comissão da Câmara
que decidiu sobre a abertura do processo.
E não precisou
de cumplicidade dos outros dez colegas para se intrometer em questões internas
da comissão do Senado, ao decretar o sugestivo total de 40 testemunhas de
defesa, decretando uma paródia de “abre-te, Sésamo”, que acaba de repetir ao
ampliar de cinco para seis o novo número de testemunhos em prol da acusada,
depois da aprovação de sua pronúncia pela maioria simples dos
senadores.
Em nome do
precedente Collor, que adotou a lei sem nexo à falta de outra, atua como mordomo
diligente, a conferir a despensa do palácio, cuidando de cada minúcia, sem
repetir o exemplo discreto de Sydney Sanches, presidente do STF em 1992. A
comissão da Câmara, composta no figurino de Dilma-Cardozo, derrotou essa dupla
por 38 a 27. As 40 testemunhas não evitaram o 14 a 5 da comissão do Senado a
favor do voto do relator, Antonio Anastasia. Mas o causídico da “presidenta”
conta com novas intervenções do STF para desautorizar a maioria de dois terços
no julgamento final, apesar de Lewandowski presidi-lo, a pretexto de evitar nova
enxurrada de recursos. Por essa razão, o julgamento de Dilma só será realizado
após decorrer o triplo dos 90 dias usados para depor o Carcará
Sanguinolento.
Os caprichos de
Lewandowski ainda podem alongar esse prazo para setembro. Para alívio de pelo
menos dois terços de Câmara, Senado e cidadãos, ele não poderá postergá-lo para
depois de 10 de setembro, quando já terá empossado Cármen Lúcia em seu
lugar.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag 2A do Estado de S. Paulo, de quarta-feira 10 de agosto de
2016)
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