Nomeação para
Lula fugir da lei e evitar impeachment de Dilma é golpe na
democracia
Ao nomear o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chefe da Casa Civil, a presidente Dilma
Rousseff deu um duplo golpe contra o Estado Democrático de Direito, vigente no
Brasil desde a promulgação da Constituição dita cidadã, de 1988, que ela jurou
cumprir e fazer cumprir ao ser empossada na Presidência da República, duas
vezes. Primeiramente, ela o fez para evitar que ele fosse investigado na
primeira instância do Poder Judiciário, sob suspeição de haver cometido vários e
graves delitos. Em segundo lugar, deu-lhe a missão de evitar que ela própria
venha a ser impedida na forma da lei, também sob a acusação da prática de crimes
de responsabilidade.
Dilma deu posse
a Lula às pressas, para evitar a execução de eventual ordem de prisão, pedida
pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) e transferida pela juíza Maria
Priscila Oliveira, da 4.ª Vara Criminal da Justiça paulista, para decisão final
de seu colega do Paraná Sergio Moro. Assim, a presidente interveio
arbitrariamente em prerrogativa de outro Poder, o Judiciário. E, de fato,
renunciou à Presidência, para a qual foi eleita em 2014, para tentar evitar
perdê-la em processo de impeachment já aberto contra ela na Câmara dos
Deputados. Isso não é permitido pela Constituição, pois ela não pode transferir
o poder a outrem, ainda que seja para se furtar a ter de
deixá-lo.
Na História do
Brasil registra-se o autogolpe dado por Getúlio Vargas em 1937, quando instaurou
a ditadura do Estado Novo para interromper a eleição de seu sucessor. Jânio
Quadros, em 1961, tentou repeti-lo e foi desautorizado pelo Congresso. Dilma,
contudo, deu um golpe contra si mesma em favor de outro e com ele a presidente
cede poder para manter-se senhora de suas aparências. Só que o truque foi
sustado provisoriamente por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), que acolheu ação de partidos da oposição alegando
obstrução de Justiça. A decisão será levada a plenário, mas enquanto este não se
decidir o beneficiário não assumirá.
O ato é grave e,
pior, não é isolado. Ultimamente, a chefe do desgoverno protagonizou episódios
que autorizam a Nação a acreditar que Dilma tem pelo Estado democrático desprezo
condizente com seu passado de guerrilheira de um grupo armado de esquerda contra
a ditadura de direita; mas não com a chefe do Poder Executivo de uma democracia
em que vige por decisão popular, legitimada pela Constituinte, a autonomia entre
os Poderes que Montesquieu preconizava. Nela, nenhum cidadão pode avocar o
privilégio de ficar acima da lei – nem ela nem seu patrono, nomeado para suprir
sua ora confessada inaptidão para a política e debelar os efeitos desastrosos de
sua sesquipedal incompetência gerencial.
Outro golpe é a
grotesca tentativa de intervir de forma atrabiliária e atabalhoada na Operação
Lava Jato, levada a efeito com competência, lisura e enorme apoio popular pela
força-tarefa composta por agentes da Polícia Federal (PF) e procuradores do
Ministério Público Federal (MPF), sob a égide do juiz federal paranaense Sergio
Moro. A desastrada escolha do ignoto procurador federal baiano Wellington César
Lima e Silva para o Ministério da Justiça foi proibida pela votação do STF – 10
a 1 – que inaugurou esta temporada do “esqueça os 7 a 1 do Mineirão”. Dilma,
porém, não se fez de rogada e resolveu repetir o feito com a substituição dele
pelo subprocurador-geral da República Estêvão Aragão, promovido a “amigo” por
Lula nos telefonemas divulgados sexta-feira, nos quais o ainda ex destratou em
calão de pré-sal aliados, comparsas e adversários.
Se o ex-ministro
WC passou a merecer o epíteto de “o Breve”, seu substituto já pode ostentar a
rima Aragão, “o Falastrão”. Pois teve a pachorra de anunciar em público a função
de alijar e aleijar a Operação Lava Jato, ameaçando policiais subalternos,
colegas promotores e a lei que autoriza a colaboração de réus com a
Justiça.
Mais grave do
que o absurdo de um ministro da Justiça execrar publicamente uma lei da lavra da
chefe, aprovada pelo Congresso e praticada com sucesso no exterior, é a
reincidência da quebra de um conceito ético e constitucional por um bote de
jararaca. WC não pôde ser nomeado porque a Constituição proíbe que procuradores
assumam cargos públicos, exceção feita ao magistério. Dilma chutou o espírito da
lei de novo ao empossar um sinistro trapalhão, usando o pretexto gregoriano de
que sua entrada na carreira se deu antes da promulgação da Carta. Em recente
Roda Viva, na TV Cultura, o jurista Modesto Carvalhosa lembrou que
a letra da lei deve sobrepor-se à data. Se isso é fato, pode-se concluir que
madama insiste no risco inspirada apenas em São Gregório.
Mas o quiproquó
sobre o mais antigo cargo de primeiro escalão do governo da República é menos
relevante que o espetáculo de circo mambembe em que o Palácio do Planalto se
transformou em botequim pé-sujo na recepção a Aragão e a Lula na Esplanada dos
Ministérios. Uma funcionária agrediu o deputado Major Olímpio (SD-SP), que levou
ao recinto o grito de 69% da população brasileira (conforme o Datafolha):
“Vergonha!”. E a tigrada enfurecida, fiel ao olhar feroz da anfitriã, gritava
palavras de ordem como se estivesse num comício. Ou num
piquete...
Foi o ensaio
geral para os atos de apoio ao PT na rua, nos quais militantes a favor dos
golpes desfilaram para combater outro, fictício, em que baseiam chicanas
irrealistas para dotar o ex-poderoso chefão e a vassala afilhada do privilégio
imoral de ficarem acima e ao arrepio da lei. E mantê-los com a chave dos cofres
públicos para darem salvo-conduto a quem saqueou o País em onerosas e tenebrosas
transações.
Chegou a hora de
a onça beber água e a vaca tossir. As instituições republicanas não aparelhadas
pela máfia sindical no poder estão convocadas a funcionar e fazer valer a
vontade de 68% de brasileiros, que exigem Dilma fora do governo e Lula nas
barras dos tribunais.
Jornalista,
poeta e escritor
(Artigo
publicado na Pág.A2 Estado de S. Paulo da quarta-feira 23 de março de
2016)
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