Roberto DaMatta
Jamais fui espectador de tantos atores medíocres tentando fazer o papel público que lhes cabia desempenhar e, em pleno ato, desabando
Chega o Ano Novo (do calendário), e eu me sinto mais velho do que nunca. E o nunca é uma palavra pesada porque — além de predispor quem a usa ao traiçoeiro cacófato (veja-se, o trivial e horrível “nunca-ganha”) — ela se refere a um tempo sem tempo...
O fato, porém, é que o menino dentro de mim tem que segurar esses incríveis dois milênios, uma década e seis anos. E o menino é também um velho — ou um jovem de idade, como me diz um bondoso geriatra —, está tão alarmado quanto esperançoso. Já tivemos passagens mais auspiciosas e menos vexatórias.
O novo ano que era sempre “bom” tornou-se duvidoso. Todas as previsões econométricas e éticas dizem que ele vai ser um ano ruim. Mas como festejar um “mau ano” na virada protocolar com a qual marcamos o tempo, dividimos eras e, mais uma vez, tentamos cortar a água?
Revolvi calendários de muitas crises — suicídio de Vargas, golpe militar, ditadura, ato institucional, prisões por motivos políticos, ódios partidários irremissíveis, discussões acaloradas permeadas de bofetes, hiperinflação e roubalheiras com macumba presidencial — e eis que muitos desses supostos antigos brasileirismos estão na nossas costas neste ambíguo e novíssimo 2016.
Posso fugir do espaço, mas não posso me evadir do tempo. E para aumentar minhas ansiedades, inauguramos um belíssimo Museu do Amanhã justo num momento que o amanhã ensolarado do progresso, da solução de problemas recorrentes, e de um Brasil mais justo, administrado com mais rigor e honestidade, sumiu de todos nós.
Em 2016, não será fácil “arrumar” esse nosso Brasil do qual sabemos mais do que queremos.
A restrospectiva é tenebrosa.
Jamais vi em toda a minha vida um desmanche tão grande do drama político nacional.
Jamais fui espectador de tantos atores medíocres tentando fazer o papel público que lhes cabia desempenhar e, em pleno ato, desabando pela mais completa ausência de sinceridade diante do papel. A presidente, por exemplo, não consegue acertar as falas nem quando as lê!
Não se assiste a tal desastre sem pedir de volta o dinheiro da entrada. Imagine a cena: o presidente da Câmara, sério e de olho na câmera, diz não ter conta na Suíça. Dias depois, a procuradoria suíça o desmente. O presidente nega mentira dita em tempo real. Uma lógica idêntica enquadra o presidente do Senado, o qual fala como um pároco moralista, quando se sabe que ele próprio deve explicações à Republica. Mas, muito pior que isso, é aguentar a recapitulação da roubalheira planejada e consentida da Petrobras. Um roubo inédito do governo roubando a si mesmo.
E nisso vai a conta dos generosos empréstimos do BNDES ao Sr. Bumlai, amigo do peito do ex-presidente Lula, um cara que tinha entrada livre no Palácio. Um amigo de fé mas com o qual Lula somente falava de coisas banais e impessoais. Nem futebol Bumlai discutia com Lula, o qual, como informante da polícia, afirma que a Petrobras era controlada pelo famoso “guerreiro do povo brasileiro”, José Dirceu. Herói injustamente condenado que, contudo, teve a imaginação e a capacidade para ganhar mais do que nós recebemos em todas as nossas vidas enquanto estava é mais embrulhado com a lei do que presente de Natal. Dentro em breve, porém, eis uma boa nova no novo ano: circula que ele será indultado.
No Brasil sempre valeu o axioma do “aos inimigos a lei; aos amigos, tudo!” Menos, é claro para o ex-presidente Lula, para a presidenta Dilma e para os petistas graduados. Entre eles, não cabe esse lema político que tem fabricado a História do Brasil e explicado o país mais do que a fábula da tal “Revolução Burguesa”. Revolução aliás, com burguesia, mas sem os burgueses de Maupassant, Balzac e Flaubert.
Vamos entrar 2016 com a República nos devendo muito. Sobretudo no que tange ao equilibrio delicado entre Executivo, Legislativo e Jucidiário, pois o que testemunhamos é o alto risco de um total desequilibrio entre esses poderes. Isso para não falar da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal.
Mesmo não sendo pessimista, eu sei que devemos todos passar por um sério momento de reconstrução da honestidade e do sentido de dever neste ano de 2016. Caso contrário, morremos civicamente.
De um lado, tudo retorna mas volta como farsa, conforme se gosta de repetir, mas como densa tragédia; do outro, tudo vai ser novo e cristalino porque assim exigimos. E nisso está, espero, o espirito de 2016.
Feliz Ano Novo!
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