José Nêumanne
Direito de
resposta, estatização do direito autoral e repatriação ameaçam
cidadania
Empresas fecham
as portas, 3 mil trabalhadores perdem o emprego a cada dia, a inflação atinge o
segundo dígito, o crédito externo desce como a lama tóxica das represas de
rejeito da Samarco (São Marcos, como diria Dilma Rousseff em mais um lapsus
linguae de mulher sapiens), que mata e esteriliza as margens do Rio Doce. É
a tempestade completa? Parece que não: vêm aí a censura de volta, o esbulho da
propriedade intelectual individual e não um mero incentivo ao crime, mas a
apologia e o culto ao furto, a exaltação da corrupção impune e anistiada. O
legado do lulodilmopetismo ainda está por se
completar.
O caro leitor
deve estar lembrado de dona Solange, a censora soturna que simbolizou durante a
ditadura militar a interdição da dissidência, a negação do contraditório, a
imposição do pensamento único. Ela está de volta na lei que assegura a honra
imaculada de quem não a tem. A censora-símbolo reencarnou no senador Roberto
Requião (PMDB-PR), cujo projeto sancionado pela presidente extingue a exceção da
verdade, que, em tempos de democracia, é a única garantia da livre exposição de
malfeitos para conhecimento do cidadão, que paga a conta e o pato. Ao fazê-la
sumir, o nobre parlamentar extingue o acesso do cidadão à plena verdade e ao
pluralismo de opinião, sem os quais não há liberdade de expressão nem plena
vigência do Estado Democrático de Direito.
A nova lei é
oportunista, mas também resulta da preguiça, da inércia e da soberba da
sociedade civil, que não cuidou de encaminhar ao Congresso um texto legal
rigoroso para punir profissionais da comunicação que abusem da liberdade de
expressão para enxovalhar de forma criminosa a reputação de inocentes. Um
direito de resposta digno desse nome deveria ter sido levado à aprovação dos
legisladores em qualquer das muitas oportunidades em que a Lei de Imprensa,
entulho autoritário da ditadura, foi jogada no lixo da História. Ao garantir a
honra alheia, essa iniciativa impediria a introdução do vírus censório
revanchista de Requião no vácuo legal.
Aprovada na pior
legislatura de todos os tempos e sancionada pelo mais impopular dos presidentes,
a lei introduziu num ambiente judicial lerdo prazos draconianos: 24 horas para
veículo de comunicação se explicar e três dias para juiz sentenciar. Num
ambiente de absurda lentidão processual para a maioria, o Legislativo – que, em
vez de representar a cidadania, a envergonha – restabelece o rito sumário das
tiranias em benefício próprio. Não à toa, o primeiro a recorrer a ela foi o
notório Eduardo Cunha.
Dilma, que
definiu a liberdade de imprensa como “pedra fundadora da democracia”, vetou um
absurdo, mas deixou que a sutil confusão entre ofensa e calúnia fizesse de sua
metáfora mineral uma lápide.
Só resta ao
cidadão contar com a coerência do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem podado
com perseverança os brotos de joio que adeptos da mais recente voga totalitária,
o bolivarianismo, têm tentado semear em meio ao trigal.
O STF é também a
última esperança que artistas têm de evitar outra tentativa do Estado de
estrangular seus direitos de propriedade intelectual. Hoje os ministros começam
a julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.ºs 5.062 e 5.065 contra a
Lei 12.853, aprovada a toque de caixa por um Congresso desavisado e assediado
por lobistas. Estes conseguiram com rapidez inédita em tramitação de leis (48
horas) estabelecer o controle do Estado sobre bens e direitos privados de
autores, compositores, artistas e produtores culturais.
Essa lei –
entusiasticamente apoiada por um grupo de celebridades da produção cultural que
teve no Supremo derrotada sua pretensão de censurar biografias não autorizadas –
força entidades privadas dos artistas existentes há mais de 50 anos a obter
autorização do Estado para funcionarem e gerirem seus recursos. E as obriga a
ceder os próprios bancos de dados à autoridade, violando a privacidade de seus
sócios.
Um comissariado
do Ministério da Cultura, composto por militantes da internet livre e outras
castas de dirigistas culturais, arbitrará dúvidas de propriedade intelectual. E
controlará o uso de bens individuais por entidades privadas, atropelando o
princípio constitucional que garante aos autores o exclusivo direito sobre suas
obras, inclusive o de geri-las.
Enquanto essa
discussão só começa no Judiciário, o Legislativo aprova, com pressa inusitada,
lei que autoriza a repatriação de recursos ilícitos depositados no exterior.
Neste caso, mais do que incentivo ao crime, há o culto ao furto – da motivação à
tributação. Incapaz de gerir sua máquina de moer recursos públicos, o governo vê
na oferta de anistia a dinheiro cujo “usufrutuário” não tem como provar a origem
uma fonte de recursos para tapar o rombo produzido em suas contas por
irresponsabilidade sem freios e gastança sem fundo.
O senso comum
não recomenda os delírios febris de arrecadação imaginados por Joaquim Levy com
a anistia dada pelo relator, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), conhecido em
nosso Estado, a Paraíba, pela sugestiva alcunha de Mané Pistoleiro. É irrealismo
demais sonhar que alguém traga de volta recursos em moeda forte guardados em
bancos confiáveis para a tormenta de uma crise sem bonança à vista, e sob gestão
descontrolada de quem por incúria a gerou.
Para além do
delírio, há, porém, uma questão de justiça óbvia que congressistas comprados por
pixulecos orçamentários fazem questão de desconhecer. Que consequências trará o
desprezo desumano e desonesto por quem cumpriu à risca suas obrigações fiscais –
quase todos os contribuintes – neste vertiginoso desabamento da arrecadação pelo
Fisco?
Dilma mentiu
mais uma vez ao jurar amor incondicional à liberdade de expressão, seu governo
patrocina o esbulho pela patrulha cultural do direito autoral e condecora
sonegadores como heróis da saída do Tesouro do pré-sal. Que chances terá de
convencer os bons pagadores a cortarem os pulsos?
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicada na
Pag2A do Estado de S. Paulo da quarta-feira 18 de novembro de
2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário