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sábado, 2 de maio de 2015

Palavras, palavras, palavras...


Roberto Damatta

Na semana passada, quando saía da academia onde sou visto como um velho que inutilmente combate a velhice, topei com o sempre zangado Mario Batalha, e com um jovem com o qual falamos de Brasil (e não apenas do Brasil) entre um e outro exercício. 

O treino de compreender (de interpretar com simpatia, como se faz quando se canta uma música ou se lê um poema) esse Brasil pós-moderno, avacalhado pelo lulopetismo, requer um esforço tão intenso quanto se aventurar a correr uma maratona. 

"Acho que essas prisões são 'políticas'", disse o moço. 

"Mas tudo é 'político'!", retrucou, furioso, Mario Batalha, meu velho amigo de ginástica sueca, revoltas aeróbicas e revoluções políticas planejadas e inevitáveis na praia de Icaraí. Se acabamos com a religião e matamos Deus, só nos resta o idealismo da ética. Isso apreendemos aos 19 anos, ao lado de alguns amigos "conscientizados" - "não alienados", conforme dizíamos cheios de orgulho aos reacionários de todos os calibres que, como nossos pais, seguiam o catecismo capitalista da exploração e não o nosso nobre e ralo materialismo mágico-marxista filtrado pelos russos. Até a decisão de tomar café com leite é política, dizíamos bebendo cerveja (ainda não existia essa frescura dos vinhos) e fumando nossos aristocráticos cigarros Luiz XV.

"Concordo. Não há como defender essa coroa de roubos que refazem o mensalão com a mesma forma e com os mesmos atores, como o Zé Dirceu."

"Ele é uma metáfora do PT. Aliás, eu me pergunto", Mario Batalha olhava para mim com olhos duros como diamantes, "quem ele realmente é. Seria o líder estudantil ou o personagem operado plasticamente em Cuba que volta ao Brasil como um outro. Numa insólita duplicidade, casa-se, constitui família e, na oportunidade exata, reassume-se no que, suponho, seja a sua máscara original e, em seguida, torna-se o 'Capitão do Time' do governo Lula. Dono do 'poder', revela abertamente que o governo petista projetava ficar no Alvorada por décadas. Mas ele é também e, sobretudo, um bem sucedido empresário (de direita ou de esquerda?), cuja empresa faturou R$ 36 milhões enquanto a família, amigos e companheiros arrecadavam mais de R$ 1 milhão numa subscrição pública destinada pagar a multa que lhe fora imposta pelo STF. Revolucionários, reformadores, milenaristas, capitalistas, socialistas, sindicalistas, impostores, biliardários, excelentes atores..."

Quem são esses caras que, entrementes, fazem versos na prisão? 

*
A marca do mundo contemporâneo seria o dinheiro. Tal era a opinião do hoje esquecido ensaísta Erich Fromm, um autor muito lido e amado pela minha geração. Casamentos, filhos, títulos, doenças, paixões. Tudo podia ser monetarizado.

Quanto, pergunto eu, com Fromm, custa uma "revolução"? Essa revolução que foi um destino, um ideal e uma palavra mágica da minha juventude? 

Lembro-me de um ensaio clássico, escrito por Richard Moneygrand, o famoso brasilianista, justamente intitulado: "Qual é o preço de uma Revolução?". Revoluções, argumenta o professor, têm um alto custo. Exigem capital monetário e um belo volume de "capital simbólico", conforme ensinava com redundância típica, Pierre Bourdieu, que, na mesma época, descobria uma formidável "teoria da prática". 

Eu diria que as revoluções precisam ainda mais de poesia. Seus instrumentos usuais: guilhotinas, fuzilamentos, confiscos, banimentos, tortura e arbítrio são o oposto da tola harmonia da noite com o dia. Daí a necessidade de versos e de música. Despotismo de um lado, festivais da canção de outro. "Se levanta a cabeça/ duro com ele/ Fidel!/ duro com ele." Essa era letra-palavra de ordem de uma sedutora música vinda de uma Cuba carismática. Foi com gosto que ouvi essa barbaridade cantada. A rima musicada aplaina e estimula as agressões sangrentas. Ela é uma fábrica de mártires. Todo radical é, no fundo, um poeta.

No ensaio, Richard Moneygrand pondera: num sistema capitalista globalizado no qual surge uma indesejável interdependência, seria possível planejar e comprar "revoluções"? Mas não vendemos manuais de felicidade e de emagrecimento? 

Seria a revolução mais um manual? Ou seria ela, como pondera Moneygrand na sua complicada teoria, um golpe de morte nos manuais? Um manual para acabar com todos os manuais. Exatamente como aquela guerra que iria acabar com todas as guerras. Ou aquele governo que não podia errar e liquidaria a corrupção, a fome e a pobreza no Brasil?

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