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segunda-feira, 14 de abril de 2014

De dia vai faltar água, de noite vai faltar luz


José Nêumanne
Governantes precisam é criar alguma coragem para compensar a sua excessiva imprevidência
Este autor ainda não era o que os anglófonos chamam de teenager (maior de dez anos) quando uma marchinha de sucesso tornava relativa a definição de “Cidade Maravilhosa” para a então capital da República, apregoando: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. Muita água já moveu as turbinas do parque hidrelétrico nacional nos últimos 50 e poucos anos. E agora, de posse de uma autorização de “idoso” para estacionar em vagas especiais e furar filas em agências de bancos e portões de embarque, espero o dia em que a lâmpada não acenderá e da torneira o “precioso líquido” não jorrará. Mais dia, menos dia, é o que acontecerá.
Já imaginou os holofotes das monumentais arenas padrão Fifa de custo proibitivo desligadas por um apagão monumental por falta de água nos reservatórios, assim denominados por, em teoria, armazenarem “reservas” do mais farto combustível energético disponível no Brasil, a água? Já pensou uma final da Copa do Mundo sem água nos banheiros do Maracanã? Não é nada improvável. Este sertanejo, xará do santo padroeiro da igreja matriz de Jesus, Maria, José, em Uiraúna, no sertão do Rio do Peixe, onde foi crismado e batizado, aprendeu com o avô que chuva que não chega até 19 de março, dia em que se celebra a memória do chefe da Sagrada Família, só virá no ano que vem.
Bem que a presidente Dilma Rousseff tentou. Não evitar o inevitável, mas, sim, pedir ajuda ao patrono das chuvas tardias. Bem que seu adversário tucano, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, tem demonstrado inabalável fé no chaveiro do céu, ao esperar indefinidamente por seu socorro ou pelos préstimos de Tupã, deus primitivo das tempestades entre nossos índios. Mas o verão de soleira seca e atmosfera árida acabou, o outono velho de guerra entrou em cena e nem São José nem São Pedro abdicaram da imparcialidade de sua condição de protetores de todos e não têm mostrado grande disposição para fazer boca de urna para eles: é proibida até para habitantes do céu.
Além do mais, vamos convir que, se são santos, eles também precisam ser justos. E injustos seriam se premiassem a incúria dos gestores públicos brasileiros, sejam federais ou estaduais, em relação às necessárias providências para que não faltem água e luz à população que cresce e paga impostos pesadíssimos, mas não os vê transformados em obras planejadas para resolver os problemas de escassez de oferta, que deveriam ser previsíveis, e nunca simplesmente ignorados. O Sistema Cantareira, engenhosa conjugação de represas que, a uma razoável distância da Grande São Paulo, tem abastecido a maior parte de sua população, não serviu de modelo para nada depois.
Qualquer leigo em armazenamento de água, incluindo o que redige estas mal traçadas linhas, está, no mínimo, calvo de saber que a mais populosa região metropolitana do Brasil é carente de bacias fluviais nas proximidades de seus limites para atender à crescente demanda do insumo. Governadores tucanos sucederam-se no principal gabinete do Palácio dos Bandeirantes por anos a fio (Mário Covas, Geraldo Alckmin, José Serra e Alberto Goldman), com intervalo ocupado por aliado (Cláudio Lembo), sem que nenhum deles tivesse a luminosa ideia de gastar parte da dinheirama ao seu dispor para providenciar barragens similares que pudessem afastar para as calendas os riscos do “de dia falta água” dos velhos tempos. Só eles poderiam ter tomado a providência. Se não o fizeram, que diabos São Pedro tem que ver com isso?
O caso da eletricidade em nada é diferente. Desde as gestões do também tucano Fernando Henrique nosso sistema hidrelétrico tem dado sinais de esgotamento. Apagões em sequência na gestão dele ajudaram a eleger os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Oito anos depois da saída do PSDB do poder federal, a “gerentona” maldisse a gestão energética tucana.
Lula não enfrentou problemas de monta no setor, mas apagões têm ocorrido com frequência e em sequência sob a égide da sucessora que ele tirou do bolso do colete e elegeu. Com uma agravante: Dilma Rousseff foi ministra de Minas e Energia e, na condição de chefe da Casa Civil, mandou e desmandou na geração e distribuição de energia em território nacional. Apelar para São José, como ela fez dia destes, é de uma desfaçatez de fazer corar frade de pedra. Como hoje qualquer brasileiro medianamente informado está ciente de que as duas gestões petistas produziram descalabro vexaminoso na contabilidade das gigantescas estatais da eletricidade (Eletrobrás) e do petróleo (Petrobrás), não é segredo para ninguém que cabe à “mãe da luz” enorme responsabilidade pela falta de previdente planejamento que levou o setor ao risco de completar a praga da marchinha: noites de breu espreitam o calendário. Com as consequências desastrosas que produzirão: de eletrodomésticos desligados à impossibilidade de resguardar a segurança de transeuntes em vias públicas sem iluminação.
No entanto, a eleição vem aí e tanto Alckmin, carola convicto, quanto Dilma, agnóstica oportunamente convertida, preferem contar com a visita inesperada das monções tropicais em estações de estiagem a compensar com o mínimo de coragem o máximo de imprevidência que, a exemplo de seus antecessores, cometeram. Afinal, racionamento, impopular, é voto perdido na certa. E, por enquanto, as pesquisas dão como certa a reeleição de ambos. O jeito é manter a fé nos deuses e santos dos temporais e pé firme nos índices prometidos pelos institutos. O cidadão que vota, neste raciocínio, é mero detalhe, naturalmente. Até porque ninguém pode contar com Tupã, São Pedro ou São José. Deus e santos jamais poderiam acumpliciar-se com quem abusou de dilapidar o patrimônio do povaréu em tenebrosas transações. E, não sendo estas devidamente investigadas, terminam é premiados com a impunidade garantida.
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag2A do Estado de S. Paulo de quarta-feira 9 de abril de 2014)

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