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quarta-feira, 19 de março de 2014

O filme é o mesmo


JOÃO UBALDO RIBEIRO - O Estado de S.Paulo


Essa presepada regida pelo PMDB, à frente do saco de gatos conhecido como base aliada, augura um ano eleitoral bem movimentado. Nossos governantes começam a engalfinhar-se, no estressante afã de cada um garantir o seu e fazer as escolhas certas, antes que seja tarde, pois um erro de cálculo, a esta altura, pode sair muito caro. Com o possível intervalo da Copa, tudo agora é campanha eleitoral e tudo o que se faz em política é com o olho nas eleições, não importa quanto se minta em contrário. Lá vamos nós outra vez, pagar ingresso caro por um filme que já vimos.
Ninguém está pensando, ainda que remotamente, no interesse público ou nos destinos do país. Para muitos, isto não acontece nunca e, em época de eleição, fica pior. A briga é por poder e - por que não dizer? - dinheiro, porquanto, mesmo onde não haja corrupção, há o desfrute de incontáveis vantagens, traduzíveis em bastante dinheiro. Os partidos políticos não querem dizer nada, são meros aglutinadores de interesses frequentemente passageiros e mutáveis, segundo as circunstâncias. Já há muito tempo, contam-se entre os nossos padecimentos sermos expostos à propaganda partidária gratuita, com o que nos passam um permanente, embora talvez merecido, atestado de burrice, desimportância e ignorância.
Se os nomes e siglas dos partidos fossem retirados desses programas, todos serviriam para todos, são obras-primas de vacuidade e ambiguidade, que os tornam praticamente intercambiáveis. Se se quiser, através deles, definir a identidade de um partido, a dificuldade será grande. Às vezes sem mudar nem o palavreado, são todos, pela justiça social, pela criação de empregos, pela melhoria da saúde, da educação e dos transportes, pela segurança pública e por tudo mais com que qualquer um concorda, só o Amigo da Onça seria contra melhorias em todas essas áreas.
Mas nenhum diz o que fará concretamente para mudar o que tanto se deplora. E, principalmente, nenhum diz como fará para atingir objetivos porventura explicitados. Farão precisamente o quê, planejam que ações? Se prometem tal ou qual reforma, como procederão para superar os obstáculos e concretizá-la além do nível do gogó? De que instrumentos pretendem dispor ou que instrumentos pretendem criar, que mudanças reais pretendem fazer, além das cansadas invectivas contra a má qualidade da educação, da saúde, dos transportes e assim por diante?
Há muito tempo que não se vislumbra uma estratégia, por parte dos governantes e dos partidos, para o nosso destino como país e como sociedade. Que tipo de país queremos para nós, aonde queremos conduzir nosso futuro, que projetos temos? O governo atual dá a impressão de agir topicamente, conforme a necessidade. Apareceu um problema, faz um plano para atacá-lo. Não parece haver nada orgânico, nada estruturado, nada definido de acordo com uma visão mais abrangente. Priorizar o social e criar empregos também são objetivos vagos, que tinham de pertencer a um todo bem mais especificado. O que parece acontecer é que se tomam decisões meio ao deus-dará - vamos fazer um trem-bala ali, uma transposição de água do São Francisco acolá e por aí vamos, aos solavancos.
O que se disputa é poder e dinheiro mesmo. O poder e suas mordomias significam tanto que, muito frequentemente, se prefere morrer a perdê-los. No Brasil, pense o cidadão comum nas vantagens de muitos governantes (governantes, talvez seja bom lembrar, de todos os poderes da República, não somente o Executivo), que nunca mais vão entrar numa fila; nunca usarão transporte público; têm salários elevados, ajudas de custo e todo o tipo de verba especial - alguns com cartão corporativo; nunca mais enfrentarão nenhuma das indignidades enfrentadas pelo cidadão comum, no dia a dia; têm jornadas de trabalho, férias e licenças especialíssimas; gozam de aposentadorias integrais e outras vantagens depois de pouquíssimo tempo de serviço; não gastam nada com planos de saúde, mas, pelo contrário, têm direito a atendimento nos melhores hospitais do país, direito estendido também à parentela. Ninguém pode avaliar o significado de toda essa tranquilidade, em comparação às incertezas em que vivem aqueles fora do poder ou da riqueza - e se compreende a observação atribuída a Darcy Ribeiro: "O Senado é o céu".
Enquanto durar o presente fuzuê, nada mais deverá ocupar os parlamentares. Esse negócio da sobrevivência é uma briga difícil e absorvente, o sujeito não pensa em mais nada. Além disso, a moeda de troca do governo talvez esteja até ficando escassa. Depois do mensalão, ficou meio fora de moda comprar diretamente o apoio - e os ministérios estão aí mesmo, para serem negociados. A escassez, contudo, pode atrapalhar, restando apenas a criação de mais uns dois ministérios, para tentar com isto, juntamente com uma dúzia de diretorias e umas três dúzias de conselhos deliberativos e mais uns assemelhados, suprir a demanda. Não creio que, para quem já é recordista em número de ministérios, mais uns dois sejam problema; onde comem 39, comem 41.
Um combativo guerreiro do PMDB disse que não se trata de cargos, mas de palanques. Acho o reparo irrelevante, porque claro que no fundo é a mesma coisa. O certo é que podemos ter certeza de que, mais uma vez, não é em nós que eles estão pensando, é neles. Não querem independência nenhuma, nem fazem nenhuma reivindicação nossa, querem é garantir o deles. Mas passa e vai acabar dando em nada. A não ser, é claro, que venham a sentir que o governo vai perder a eleição. Aí declararão outra vez independência e dirão que fazem tudo isso para o bem do Brasil.

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