José Nêumanne
Quem dá a mínima
para o agente Barba, a morte de Celso Daniel ou os dossiês fajutos do
PT?
O livro
Assassinato de Reputações (Topbooks, 2013), do policial e advogado Romeu
Tuma Júnior, faz revelações de alto teor explosivo sobre a atuação do mais
popular político brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o autor, Lula
foi o informante chamado Barba do pai dele, Romeu Tuma, delegado que chefiou o
setor de informações da polícia política na ditadura militar, dirigiu a Polícia
Federal (PF) e foi senador da República. A obra contesta a versão oficial da
polícia estadual paulista, comandada por tucanos, e da direção do partido de
Lula, o PT, sobre o assassínio de seu companheiro e prefeito de Santo André
Celso Daniel, quando este coordenava o programa de governo na primeira campanha
vitoriosa do petista-mor à Presidência. Como indica o título, ele relata
minuciosamente o uso de dossiês falsos montados contra adversários em época de
eleições. Tuma assegura ainda ter provas de que ministros do Supremo Tribunal
Federal tiveram seus telefones grampeados. E registra a atuação ilícita de
arapongas da Agência Brasileira de Inteligência em operações da PF, caso da
Satiagraha.
Tuminha, como o
próprio autor do livro se autodenomina para se distinguir do pai, Tumão, teve o
cuidado de esclarecer que o agente Barba não delatou nem prejudicou ninguém. Ao
contrário, em sua opinião, ele teria prestado benignos serviços ao País e à
democracia permitindo que o Estado (então sob controle dos militares)
acompanhasse o movimento operário de dentro. Delatores nunca são benquistos nem
benditos, mas Lula pode ser a primeira exceção a essa regra consensual que vige
nos presídios, nos palácios, nas ruas, nas casas e em quaisquer outros locais,
aqui como em outros países, e sob democracias ou ditaduras. No entanto, não há
notícia de que nenhuma das Comissões da Verdade criadas pelo governo federal do
PT e do PMDB e por administrações estaduais ou municipais tenha aberto alguma
investigação a respeito da atuação de um dirigente político e gestor público
importante como ele.
No livro O
que Sei de Lula, de 2011, revelo que houve uma reunião em São Paulo do então
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema com
o major Gilberto Zenkner, subordinado do chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI), general Octávio Aguiar de Medeiros. Este travava intensa luta
pelo poder contra o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, que enviara o
presidente do partido do governo em São Paulo, o ex-governador Cláudio Lembo,
para pedir ao líder dos metalúrgicos em greve apoio público à volta e
reintegração dos exilados com a abertura e a anistia. O líder negou-o, Medeiros
duvidou da informação dada a Figueiredo, mandou conferir e Lula reafirmou a
negativa.
Justiça seja
feita, Lula sempre confirmou em público ter mantido excelentes relações com o
mais célebre xerife na transição da ditadura para a democracia. E chegou mesmo a
gravar carinhosa mensagem usada por Tumão na sua propaganda política em campanha
para o Senado. Quer dizer: ninguém pode afirmar que haja provas de que ele tenha
sido delator, mas também ninguém apareceu para desmentir a versão de Tuminha nem
a reunião com o emissário de Medeiros.
Tuminha faz no
livro um relato de razoável verossimilhança do sequestro e assassinato de Celso
Daniel com a autoridade de quem era, à época, o delegado de Taboão da Serra,
onde o prefeito foi executado. O governador de então (e hoje), o tucano Geraldo
Alckmin, afastou o policial do caso e transferiu a investigação para o
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, alegando que o funcionário
poderia aproveitar-se da exposição na mídia para se eleger deputado estadual. O
inquérito feito pela cúpula da polícia paulista, apoiado e aplaudido pelo
comando petista, é contestado pela família da vítima e a sequência de fatos que
o autor reproduz na obra sugere que o crime está longe de ter sido
elucidado.
Tuma Júnior
nunca foi oposicionista nem adversário de Lula. Ao contrário, foi nomeado por
este para comandar a Secretaria Nacional de Justiça, ocasião em que muitas
vezes, segundo afirma, foi procurado por figurões de alto coturno do governo e
do PT para produzir inquéritos contra adversários. Novidade não é: o falso
dossiê contra José Serra na campanha para o governo paulista é tão público e
notório que, contrariando o seu hábito de nunca ver, nunca ouvir, nunca saber,
Lula apelidou de “aloprados” os seus desastrados autores. Nenhum destes,
contudo, foi investigado e punido. E seu eventual beneficiário, o candidato
petista derrotado por Serra na eleição, Aloizio Mercadante Oliva, é ministro da
Educação e tido e havido como um dos principais espíritos santos de orelha da
chefe e correligionária Dilma Rousseff. Mas os fatos lembrados no livro de
Tuminha impressionam pela quantidade e pela desfaçatez das descaradas tentativas
de usar o aparelho policial do Estado Democrático de Direito para assassinar
reputações de adversários eleitorais, tratados como inimigos do
povo.
O policial
denuncia delitos de supina gravidade na obra. No entanto, desde que o livro foi
lançado e evidentemente recebido com retumbante sucesso de vendas, não assomou à
cena nenhum agente público ou mesmo um membro da tíbia oposição que resolvesse
ou desmascarar as possíveis patranhas do autor ou investigar as informações
dadas por ele e que seriam passíveis de desmentido ou confirmação. Pois o
protagonista das denúncias do delegado continua sendo o eleitor mais importante
do Brasil e se prepara para consagrar seu poste Dilma Rousseff, reelegendo-a.
Pelo simples fato de que não há eleitores preocupados com as aventuras do agente
Barba na ditadura, com a punição dos assassinos de Celso Daniel ou com os
inimigos dos poderosos do momento contra os quais foram fabricados falsos
dossiês. Há algo de podre no Reino da Dinamarca, mas, como se sabe, a pátria de
Hamlet fica longe daqui.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pág. A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 15 de janeiro de
2014)
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