José
Nêumanne
Governantes não
põem fim a quebra-quebras nas ruas para evitar perder voto nas
eleições
O comandante do
policiamento no centro de São Paulo, coronel Reynaldo Simões Rossi, apanhou no
meio da rua e só não foi linchado porque o policial que estava ao lado dele
sacou uma arma de verdade com balas que matam e, contrariando qualquer padrão de
abordagem policial, evitou que a selvageria acabasse em homicídio. O Fórum de
Bangu, na zona norte do Rio de Janeiro, foi invadido por bandidos armados que
trocaram tiros com a escolta da Polícia Militar (PM) que guardava o prédio e
evitou que os invasores cumprissem seu objetivo de libertar dois réus
transportados da cela para a presença do juiz. O zagueiro do time infantil do
clube do bairro Kayo da Silva Costa, de 8 anos, e o sargento PM Alexandre
Rodrigues de Oliveira, de 40, tiveram menos sorte do que o coronel paulista e
foram mortos no meio da rua.
A solução
encontrada pelo chefe do coronel agredido por arruaceiros que se dizem
anarquistas que protestam, o governador Geraldo Alckmin, foi propor leis mais
rigorosas para agressores de policiais. O secretário de Segurança Pública do
Estado do Rio, José Mariano Beltrame, apoiou essa providência. E, ao ser
questionado sobre as mortes no subúrbio da cidade que já foi chamada de
Maravilhosa, esclareceu que o responsável pela formação de escoltas para o
transporte de presos da cela para as salas de audiência não é o Poder a que
serve, o Executivo, mas, sim, o Judiciário. A presidente do Tribunal de Justiça
(TJ), desembargadora Leila Mariano, disse que cabe à Secretaria de Administração
Penitenciária (Seap) avisar ao TJ sobre a periculosidade dos transportados. E
concluiu que não havia como enfrentar bandidos de posse do arsenal que
usavam.
Enquanto a
autoridade dita responsável empurra o problema literalmente com a barriga,
apontando para o culpado ao lado, os delinquentes, acobertados por manifestantes
chamados de democráticos e pacíficos, quebram tudo o que encontram, impunemente.
E o crime organizado prospera.
Os baderneiros
desmoralizaram a autoridade policial a céu aberto e o que o maior responsável
por esta tem a fazer é sugerir mudança da lei que, se for feita mesmo, ocorrerá
nas calendas gregas e, se aprovada, em nada de prático resultará. Basta lembrar
que o endurecimento das penas de crimes classificados como “hediondos” não
reduziu essa terrível modalidade no Brasil. E a superlotação de nossos
presídios, além de propiciar as desumanas condições dos condenados à prisão no
País, também torna impraticável o cumprimento de penas. O juiz Carlos Fernandes
de Morais, de Planaltina de Goiás, no entorno de Brasília, já mandou até soltar
criminosos por causa disso.
A um ano da
eleição, a candidata favorita à Presidência da República, Dilma Rousseff,
resolveu sair bem na foto e mandou seu ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, coordenar ação conjunta dos governos dos Estados de São Paulo e do Rio
de Janeiro contra os baderneiros de fim de passeata. Depois que os três se
reuniram para não chegar a conclusão alguma, fazendo o contrário dos pessedistas
mineiros, que só participavam de reuniões quando as decisões haviam sido tomadas
previamente, ela voltou ao noticiário chamando os vândalos de “fascistas” e
estendendo a “ação conjunta” a todos os Estados da Federação. Sob as bênçãos
federais, é claro. Ó céus, quanta desfaçatez! Nada de útil ou prático foi
decidido ou sequer discutido. E, pelo visto, nunca será.
Com essas ordens
politicamente corretas e inócuas, Dilma – que é mineira, mas tem história e
estilo adquiridos no Rio Grande do Sul – termina por lembrar um dos poemas mais
chistosos da literatura brasileira, Gaúcho, da lavra do pândego
pernambucano Ascenso Ferreira: “Riscando os cavalos!/ Tinindo as esporas!/
Través das coxilhas!/ Sai de meus pagos em louca arrancada!/ – Para quê?/ – Pra
nada!”
O craque
Vampeta, que deu cambalhotas na rampa do Palácio do Planalto na homenagem do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aos campeões mundiais de 2002, contou
uma prática do futebol que pode ser aplicada à política. Assim ele descreveu sua
atuação no clube mais popular do Brasil, o Flamengo: “Eles fingiam que pagavam e
nós fingíamos que jogávamos”. Mandatários que disputam eleições fingem que
decidem convictos de que o eleitor fingirá que acredita neles. É o que se passa
nos casos citados, com a agravante de que o cidadão corre o risco de ter uma
propriedade depredada pelos meliantes que se fingem de anarquistas ou de ter um
filho morto por bala perdida em tiroteios que se tornaram rotineiros por culpa
da incapacidade e da insensibilidade de maus gestores
públicos.
Já há leis
suficientes e capazes de permitir que autoridades algemem mãos que apedrejam,
seja lá em nome do que for. Elas não são aplicadas porque os mandatários do
Executivo preferem evitar perder votos a cumprir seu dever de ofício de impor a
ordem no império da lei, que é a democracia. E também porque os juízes se
enredam no cipoal jurídico disponível para ceder à impunidade. Como fez o de
Presidente Venceslau (SP), Thomas Corrêa Farqui, que negou a transferência de
líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para o Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD) pedida pelo Ministério Público (MP) após três anos de
investigações.
O que se espera
de Alckmin, Sérgio Cabral, Dilma, Cardozo e companhia bela é que deixem de lado
por alguns instantes as picuinhas partidárias, se deem as mãos e, de fato, atuem
em conjunto, não apenas para eleitor ver. Só assim enquadrarão os baderneiros na
lei, devolvendo a ordem pública e a paz social que a sociedade teve
sequestradas. Para tanto devem convencer o presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministro Joaquim Barbosa, a convocar os juízes para que passem a
combater esta impunidade ampla, geral e irrestrita.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicada na
Pag.A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 6 de novembro de
2013)
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