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terça-feira, 11 de junho de 2013

Mulher: sujeito ou “res”?





Renata Zancan*

(N.do E.: res significa coisa em latim)

Caminhamos a passos infantis numa democracia que antes mesmo de andar com suas próprias pernas, já se apoia na bengala signatária do despotismo.
Se ontem ditadura militar, hoje fundamentalismo religioso.

Esse, representado nas tribunas por legisladores cuja meta é fazer valer a hipocrisia avassaladora do discurso moral caducista.

Fantasiados de representantes do povo prometem curar e banir do outro aquilo que lhe é legítimo: o desejo. Sentados em seus tronos quadrienais pensam como o Deus do antigo testamento, que lavou com as águas do dilúvio tudo aquilo que não era desejo seu.

Esquecidos, porém, estão esses senhores e senhoras que Deus jamais foi eleito por voto popular; já estava lá, imposto, e esses tais senhores e senhoras somente postos.

Não basta comemorarmos o aniversário da Lei Maria da Penha, se o Estado pela voz de seus legítimos representantes agride, viola a mulher em sua alma e corpo, imputando a ela a pena pelo crime do outro.

A proibição ao aborto, à lei do nascituro, a “bolsa estupro”, estão longe de proteger a mulher e a criança, ou mesmo atribuir-lhes dignidade, pois imputam-lhe a condição de subsumidos ao Pai-Estado.

Leis que atestam o “não vir a ser” mulher-sujeito, senhora de seu corpo, de seu desejo, mas a condição de “res” de um Estado que legisla sobre ela: a “res”, tal quais os senhores escravocratas legislavam sobre suas escravas.

Momento irônico este, pois se temos como chefe maior da nação uma mulher que faz questão de nomear e assinar seu cargo de presidente com a letra “a”, essa mesma mulher deixa marcar, com seus braços cruzados, e a voz calada, a letra da lei na carne e na existência de uma outra mulher a menor valia dessa diante do nome do Pai- Estado.

A lei da proibição do aborto, a lei do nascituro, não interferem só no desejo da mulher, abrem caminho a mortes e abandonos muito além da realidade atual. Leis violadoras da vida, da saúde e do bem estar.

Condenar a mulher vítima do estupro a gestar e parir a criança fruto da violência não é transformar vítima em criminoso? Não é fazer da cura o envenenamento?
E como dar ao criminoso o status de pai, se por ato seu num “a priori” já está desqualificado como tal.

Será que acreditam mesmo esses senhores e senhoras legisladores que um Estado que transforma em invisíveis os filhos que já tem e interna compulsoriamente outros tantos que maculam sua imagem ou oneram seus cofres, haverá de salvaguardar a integridade e dignidade daqueles vitimados que estarão por vir?

Uma criança só existe como tal a partir do investimento paterno-materno muito antes de seu nascimento; do contrário existirá somente como um pedaço de carne. E o que será feito daqueles que serão dados como tal às expensas do Estado? 

Serão a “res” da “res”?

E o que se propõe então é uma volta ao império quando os filhos bastardos eram criados nas senzalas? Mas se as senzalas não existem mais, construiremos outras às  expensas do Estado, ou será criado o imposto para garantia da prática da perversão?

*Psicanalista

[N.doE.: A autora se refere ao chamado "Bolsa-estupro", apelido do projeto de lei do Estatuto do Nascituro, em tramitação na Câmara dos Deputados; veja: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/06/projeto-que-preve-bolsa-estupro-provoca-mobilizacao-em-porto-alegre-4171010.html ]


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