José Nêumanne
Maioria dos ministros do STF acha que dinheiro público
foi desviado no mensalão
A julgar pelas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre o mensalão até agora, podem estar sendo desperdiçadas pelos
ministros julgadores, pelos advogados de defesa dos 38 réus e também pela
sociedade interessada em seu resultado final excelentes oportunidades para
aprender e avançar no processo de construção da democracia brasileira.
Perdidamente enamorados pelo som de sua voz, os juízes máximos parecem dar mais
atenção à própria erudição do que às consequências de seus votos tanto no
destino dos acusados quanto no da higidez das instituições republicanas, pela
qual deveriam zelar. Isso leva os defensores a reagirem a decisões parciais como
se definitivas fossem. E a sociedade vaia ou aplaude como se acompanhasse
mudanças do placar de um jogo, atentando para detalhes, e não para o conjunto do
processo cujo resultado definirá o futuro de nosso Estado Democrático de
Direito.
A verdade é que, apesar da importância deles, os votos
do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, são dois em 11
até 3 de setembro e, depois, 20% do resultado final de uma decisão colegiada
ainda longe de ser conhecida. E só o será quando o último ministro a votar se
pronunciar sobre a derradeira “fatia” a julgar, usando terminologia adotada
pelos próprios julgadores. Até lá muita água passará sob as pontes e muito trigo
será moído. O advogado de João Paulo Cunha (PT-SP) devia saber que ainda
faltavam muita água e muito sabão para concluir que seu cliente teve a alma
lavada pela absolvição, até agora amparada por apenas dois votos contra
quatro.
A questão não é apressar para Cezar Peluso – que se
aposentará compulsoriamente segunda-feira – votar. A sentença será, ao cabo, de
dez cabeças e o peso de uma é relativo, embora não desprezível. No açodamento de
se saber o que não dá para prever, pois, como ensinavam os mais velhos, de
bumbum de bebê, urna e cabeça de juiz pode sair tudo, inclusive nada, estão
sendo perdidas oportunidades de avaliar, como se deveria, o que de mais
relevante já veio à tona.
Quem execrou a discordância do revisor e o voto de Dias
Toffoli quanto à sugestão do relator de que os colegas votem pela condenação de
Cunha, no fundo, abominou uma característica positiva da democracia: a decisão
colegiada sobre o destino do acusado evita a sentença autocrática e garante seus
direitos individuais. Este ânimo punitivo ocultou a aceitação histórica do voto
do relator pelos dois ministros em assunto bem mais relevante: a reação ao
pedido dos procuradores-gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto
Gurgel ao Supremo da condenação do ex-executivo do Banco do Brasil (BB) Henrique
Pizzolato, petista, por malversação de recursos sob sua
responsabilidade.
O relator aceitou, o revisor avalizou e todos os quatro
ministros que já se pronunciaram apoiaram a acusação, amparada por investigação
da Polícia Federal (PF). E esta condenação põe por terra a fantasia de uso
corriqueiro de caixa 2 em eleições, hipótese dos defensores inspirada em
desculpa dada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o descalabro
(caridosamente definido pelo revisor como “balbúrdia”) da gestão dos
sindicalistas bancários numa das mais sólidas, tradicionais e respeitáveis
instituições financeiras do mundo. Quem insultou o revisor e Toffoli,
relacionando a opção de ambos pela absolvição do petista com relações de amizade
de um com os Silvas em São Bernardo do Campo e do outro com sua condição de
ex-advogado do PT, deveria ter comemorado o feito.
Pois, após o inquérito da PF, feito em sua gestão, de
pareceres dos procuradores que ele nomeou e de votos do relator, por ele alçado
ao STF, do revisor e mais quatro ministros também indicados por ele e Dilma,
Lula só pode ser levado na galhofa por repetir, como o fez ao New York
Times, que “o mensalão nunca existiu”. A conclusão contradiz sua aceitação
de que culpados sejam punidos: culpa de quê, se nem existiu
crime?
Depois de se ter dito “traído” e “apunhalado pelas
costas”, e de ter pedido desculpas ao povo brasileiro pelo que houve, mas jura
há tempo que não houve, o ex-presidente apela para a própria incoerência de
“metamorfose ambulante” para não ter de explicar a lambança que, sob sua bênção,
os companheiros de partido fizeram no BB. E na Petrobrás, salva da
desmoralização pela substituição, por Graça Forster, de Sérgio Gabrielli,
mantido na presidência por Dilma a pedido de Lula. E sabe lá Deus onde mais a
leviandade com que a companheirada trata o “patrimônio nacional” em proveito
próprio terá ocorrido.
A concordância da maioria dos ministros sobre 1) ter
havido desvio de dinheiro público no BB e na Visanet administrados pela
zelite sindical petista e 2) ter tal desvio resultado de gestão ruinosa
de uma instituição respeitável compensa enganos porventura cometidos por
excessiva piedade que um julgador possa ter por algum julgado. Pois ela abate a
patacoada da fantasia da oposição (aliás, incapaz até de fazer uma leitura
inteligente dos fatos debatidos no STF) e do caixa 2, argumentos usados para
defesa de réus por desprezo ao contribuinte, tungado sem dó pelos ditos. Com o
acórdão, até agora unânime, Lula terá de reconsiderar suas afirmações ao jornal
americano de que respeitará a decisão do Supremo, mas mensalão não houve.
Afinal, uma só condenação já basta para confirmar a ocorrência do delito e a
importância do escândalo em si.
Esses e outros fatos ainda a serem desvendados – mercê
de ter o relator tornado seu voto mais didático, da humildade do revisor de
evitar que suas idiossincrasias prevalecessem sobre o interesse comum e da
surpreendente condenação de Pizzolato por Toffoli – revelarão o real legado do
“padim Ciço” de Garanhuns. Lula não é nem nunca será réu do mensalão, mas vários
acusados lhe eram subordinados e se trata de dinheiro público comprando apoio
para propostas do partido do governo. Não há popularidade que apague a sordidez
dessa nódoa.
Jornalista, escritor e editorialista do Jornal da
Tarde
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