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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Maioria dos ministros do STF acha que dinheiro público foi desviado no mensalão




José Nêumanne


Maioria dos ministros do STF acha que dinheiro público foi desviado no mensalão


A julgar pelas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão até agora, podem estar sendo desperdiçadas pelos ministros julgadores, pelos advogados de defesa dos 38 réus e também pela sociedade interessada em seu resultado final excelentes oportunidades para aprender e avançar no processo de construção da democracia brasileira. Perdidamente enamorados pelo som de sua voz, os juízes máximos parecem dar mais atenção à própria erudição do que às consequências de seus votos tanto no destino dos acusados quanto no da higidez das instituições republicanas, pela qual deveriam zelar. Isso leva os defensores a reagirem a decisões parciais como se definitivas fossem. E a sociedade vaia ou aplaude como se acompanhasse mudanças do placar de um jogo, atentando para detalhes, e não para o conjunto do processo cujo resultado definirá o futuro de nosso Estado Democrático de Direito.


A verdade é que, apesar da importância deles, os votos do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, são dois em 11 até 3 de setembro e, depois, 20% do resultado final de uma decisão colegiada ainda longe de ser conhecida. E só o será quando o último ministro a votar se pronunciar sobre a derradeira “fatia” a julgar, usando terminologia adotada pelos próprios julgadores. Até lá muita água passará sob as pontes e muito trigo será moído. O advogado de João Paulo Cunha (PT-SP) devia saber que ainda faltavam muita água e muito sabão para concluir que seu cliente teve a alma lavada pela absolvição, até agora amparada por apenas dois votos contra quatro.


A questão não é apressar para Cezar Peluso – que se aposentará compulsoriamente segunda-feira – votar. A sentença será, ao cabo, de dez cabeças e o peso de uma é relativo, embora não desprezível. No açodamento de se saber o que não dá para prever, pois, como ensinavam os mais velhos, de bumbum de bebê, urna e cabeça de juiz pode sair tudo, inclusive nada, estão sendo perdidas oportunidades de avaliar, como se deveria, o que de mais relevante já veio à tona.


Quem execrou a discordância do revisor e o voto de Dias Toffoli quanto à sugestão do relator de que os colegas votem pela condenação de Cunha, no fundo, abominou uma característica positiva da democracia: a decisão colegiada sobre o destino do acusado evita a sentença autocrática e garante seus direitos individuais. Este ânimo punitivo ocultou a aceitação histórica do voto do relator pelos dois ministros em assunto bem mais relevante: a reação ao pedido dos procuradores-gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel ao Supremo da condenação do ex-executivo do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato, petista, por malversação de recursos sob sua responsabilidade.


O relator aceitou, o revisor avalizou e todos os quatro ministros que já se pronunciaram apoiaram a acusação, amparada por investigação da Polícia Federal (PF). E esta condenação põe por terra a fantasia de uso corriqueiro de caixa 2 em eleições, hipótese dos defensores inspirada em desculpa dada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o descalabro (caridosamente definido pelo revisor como “balbúrdia”) da gestão dos sindicalistas bancários numa das mais sólidas, tradicionais e respeitáveis instituições financeiras do mundo. Quem insultou o revisor e Toffoli, relacionando a opção de ambos pela absolvição do petista com relações de amizade de um com os Silvas em São Bernardo do Campo e do outro com sua condição de ex-advogado do PT, deveria ter comemorado o feito.


Pois, após o inquérito da PF, feito em sua gestão, de pareceres dos procuradores que ele nomeou e de votos do relator, por ele alçado ao STF, do revisor e mais quatro ministros também indicados por ele e Dilma, Lula só pode ser levado na galhofa por repetir, como o fez ao New York Times, que “o mensalão nunca existiu”. A conclusão contradiz sua aceitação de que culpados sejam punidos: culpa de quê, se nem existiu crime?


Depois de se ter dito “traído” e “apunhalado pelas costas”, e de ter pedido desculpas ao povo brasileiro pelo que houve, mas jura há tempo que não houve, o ex-presidente apela para a própria incoerência de “metamorfose ambulante” para não ter de explicar a lambança que, sob sua bênção, os companheiros de partido fizeram no BB. E na Petrobrás, salva da desmoralização pela substituição, por Graça Forster, de Sérgio Gabrielli, mantido na presidência por Dilma a pedido de Lula. E sabe lá Deus onde mais a leviandade com que a companheirada trata o “patrimônio nacional” em proveito próprio terá ocorrido.


A concordância da maioria dos ministros sobre 1) ter havido desvio de dinheiro público no BB e na Visanet administrados pela zelite sindical petista e 2) ter tal desvio resultado de gestão ruinosa de uma instituição respeitável compensa enganos porventura cometidos por excessiva piedade que um julgador possa ter por algum julgado. Pois ela abate a patacoada da fantasia da oposição (aliás, incapaz até de fazer uma leitura inteligente dos fatos debatidos no STF) e do caixa 2, argumentos usados para defesa de réus por desprezo ao contribuinte, tungado sem dó pelos ditos. Com o acórdão, até agora unânime, Lula terá de reconsiderar suas afirmações ao jornal americano de que respeitará a decisão do Supremo, mas mensalão não houve. Afinal, uma só condenação já basta para confirmar a ocorrência do delito e a importância do escândalo em si.


Esses e outros fatos ainda a serem desvendados – mercê de ter o relator tornado seu voto mais didático, da humildade do revisor de evitar que suas idiossincrasias prevalecessem sobre o interesse comum e da surpreendente condenação de Pizzolato por Toffoli – revelarão o real legado do “padim Ciço” de Garanhuns. Lula não é nem nunca será réu do mensalão, mas vários acusados lhe eram subordinados e se trata de dinheiro público comprando apoio para propostas do partido do governo. Não há popularidade que apague a sordidez dessa nódoa.


Jornalista, escritor e editorialista do Jornal da Tarde

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