Roberto Damatta
Como as ONGs e os "ongueiros" de plantão estão em moda, comecemos do começo que, dizia Guimarães Rosa, é tudo. E o começo aqui é o Wikipedia, a mãe de todos os burros virtuais.
Em inglês, o verbete NGO ensina (os grifos são meus): "Uma organização não governamental (NGO) é uma organização legalmente constituída, criada por pessoas naturais (cidadãos no sentido amplo do termo) ou legais que operam independentemente de qualquer governo. O termo se origina na Organização das Nações Unidas e é normalmente usado para se referir a organizações que não fazem parte do governo e que não são criadas como negócios com fins lucrativos. Em caso de serem fundadas parcial ou totalmente por governos, elas mantêm seu estatuto não governamental pela exclusão de representantes e membros do governo de sua organização".
Vejamos agora, na mesma Wikipedia, uma outra definição em português: "As Organizações não governamentais (ONGs) atualmente significam um grupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formal e autonomamente, caracterizado por ações de solidariedade no campo das políticas públicas e pelo legítimo exercício de pressões políticas em proveito de populações excluídas das condições da cidadania. Porém seu conceito não é pacífico na doutrina (...). Essas organizações podem ainda complementar o trabalho do Estado, realizando ações onde ele não consegue chegar, podendo receber financiamentos e doações dele, e também de entidades privadas, para tal fim. É importante ressaltar que ONG não tem valor jurídico".
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Nenhuma instituição social entra em espaços vazios. No Brasil, as ONGs mudam de significado e são um elo explícito entre o governo e certos setores sociais. Assim, as ONGs que têm aparecido no noticiário político-criminal, derrubando um monte de ministros, têm sido atores ideais na negação das origens dessas associações que, no mundo moderno (e, evidentemente também aqui, no Brasil) estão divorciadas formal e explicitamente de propósitos político-partidários, embora tenham forte atuação política como todos os seres ativos de um sistema social igualitário, liberal e democrático.
Resultado: temos no Brasil, ONGs e ONGs, seguindo lógicas diversas, como testemunhamos com aversão no caso do Ministério do Esporte e sob a égide do Partido Comunista do Brasil. Logo, diga-se de passagem, esse Ministério cuja responsabilidade é gerenciar, estimular, regular e incrementar o esporte.
Essa atividade na qual é imperativa a consciência das normas, a competitividade é fundamental, a igualdade perante as regras é indisputável e a eficiência é a marca registrada dos bons atletas e times. É lamentável!
Aqui, cabem as duas formas. Na sociedade e na banda sadia do sistema político atuam as NGOs que não visam ao lucro e são universalistas e conscientes da sua importância para o bom funcionamento da sociedade. No lado podre do sistema, dominam os "ongueiros" filiados a partidos políticos em ONGs que trabalham mais para o partido do que para a sociedade. Com isso, as ONGs são um novo tipo de compadrio político-eleitoral e, como organizações de fachada, elas acabam modernizando ao contrário, servindo ao governo em nome da sociedade. O que deveria ser um instrumento de igualdade passa a ser mais um instrumento de desigualdade, como é o caso da corrupção.
Algo parecido tem ocorrido no capitalismo americano que virou, como alguns cronistas têm acentuado, um "capitalismo de companheiros ou compadres" - um "cronie capitalism". Felizmente, em ambos os casos, existem protestos. Aqui há uma marola contra a corrupção. Nos Estados Unidos, como diz Nicholas Kristof no The New Times, o Ocupar Wall Street não é um movimento para liquidar o capitalismo, mas para devolver-lhe a responsabilidade e os limites.
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Levamos séculos para estabelecer um sistema político no qual uma competição eleitoral livre, norteada por regras que valem para todos, leva ao poder representantes da sociedade. Soa estranho pensar seriamente num mecanismo que venha, pelo voto, a "deseleger" pessoas e, em paralelo, processar legalmente - isso mesmo, leitor, levar à barra da Justiça - administradores públicos notória e recorrentemente preguiçosos, incompetentes, desonestos, e sórdidos como esses que temos sistematicamente conhecido no Brasil. O "recall" americano é um mecanismo interessante e deveria ser discutido seriamente entre nós. O processo civil seria um outro recurso, talvez mais efetivo. Sou assaltado ou testemunho o assalto de minha neta Serena aqui, em Niterói, e tomo as providências no sentido de processar o secretário de Justiça ou o delegado de Polícia local.
Peço justiça por danos morais porque, se há gerenciamento público sustentado regiamente pelos desabusados impostos pagos obrigatoriamente pelos moradores da cidade, tem de haver um sistema correspondente de atribuição de responsabilidade que torne o mundo público mais justo no Brasil!
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