Arnaldo Jabor
Vi, emocionado, o filme de Woody Allen Meia Noite em Paris. Ali estavam meus mitos artísticos, vivendo o momento da arte do século 20, quando os criadores eram respeitados, depois do horror da Grande Guerra. Quando Cole Porter canta Let"s Do It - chorei. A arte prometia um tempo novo, antes de ser transformada num gueto da indústria do entretenimento. Queria fazer a mesma viagem no tempo, como Woody, e me lembrei que tive situações semelhantes em minha pobre vida.
Estive uma vez sentado no hall do velho Hotel Algonquin, em Nova York, onde outrora retumbaram hinos e onde se reuniam os gênios das décadas de 20 e 30 no famoso Oak Room. Esse hotel era o point dos donos da ironia, patente importante da intelectualidade americana. Ali sentado, eu ouvia os risos de Dorothy Parker e pensava no grande Edmund Wilson, com seus cinco martínis enfileirados, tomando um depois do outro, até cair no tapete persa. Para onde foi o charme dos artistas e intelectuais? Onde estará a frase mordente do Alex Olcott de hoje, onde andará o neo-Harold Ross, fundador da New Yorker, onde se esconde o George S. Kaufman e até o genial Harpo Marx com seu sorriso de anjo sem-vergonha? Adorava aquele hotel onde ficava, na esperança de que os fantasmas dos anos 30 me segredassem soluções no ouvido.
Bons tempos, quando os artistas eram olhados como messias chiques em Paris e Manhattan, cheios de veneno e esperança, línguas afiadas, muito olhados com humildade bovina pelos idiotas que ficavam calados, de boca aberta, de onde pingava a baba da admiração. Hoje, com a liberalização da cretinice, se metem em tudo. Sobrou ao artista uma atitude masoquista, se mutilando, se flagelando, querendo recuperar o tempo em que Gertrude Stein era tão temida quanto hoje se teme um dono de corretora.
Em cima da mesinha, havia um número do The Atlantic Monthly, que abri e caí no meio de um artigo que parecia uma resposta aos meus devaneios. "Onde estão os artistas?", perguntava o ensaísta Brad Holland, lembrando que muitos criadores dos anos 20 aderiram ao "futurismo" que pregava "a substituição da lenta tradição do século 19 por um mundo veloz e moderno de máquinas, violências de marketing e relações públicas". E sacaneava os meus fantasmas, dizendo que "é preciso ter cuidado com os intelectuais. Às vezes eles conseguem o que querem". O tom do artigo de Holland pertencia à moda de fazer graça de tudo que ainda denotasse esperança de mudar o mundo. Meus queridos fantasmas da mesa do Oak Room pareciam irritados com Brad - ficaram mais tênues. Holland implicava com eles, criticando o dadaísmo e o surrealismo: "Hoje é impossível distinguir estes movimentos estéticos da vida cotidiana". Meus fantasmas se mexiam indignados enquanto eu tomava meu uísque clássico. E pensava que nos anos 20, se imaginaram os traços do mundo de hoje. Quem previu melhor o que nos assola do que os escritores da época, como Kafka ou Thomas Mann?
Talvez a arte hoje não passe de uma efêmera produção de objetos parciais, passageiros e descartáveis. A morte da "aura" da arte (que Benjamim transformou numa "meta-aura" reproduzida) talvez seja mais difícil de aceitar do que pensávamos. Hoje, a aura passou para o próprio artista, que se vê como um profeta abandonado, mas ansiando por liberdade e beleza, mesmo se ele expõe na Leo Castelli os seus próprios excrementos, para delícia das grã-finas. Mas, há em Holland umas frases fantásticas: "Antigamente, o artista de vanguarda chocava a classe média. Hoje a classe média é que choca o artista de vanguarda". Ou o que Picasso poderia ter dito: "Estamos tentando romper com as normas", que hoje é slogan do McDonald"s.
Eu também tive contato com gênios do passado, contato real, tocando com a mão. Já tomei um porre com Buñuel. Juro. Foi em 1967, em Veneza, quando Buñuel estava lá com A Bela da Tarde. Ele estava surdo e puto da vida com os críticos franceses: "Estes críticos franceses son todos unos cabrones de mierda. Dicem que mis películas mejicanas son mejores que las actuales en color... Cabrones!"
Nesse mesmo festival jantei com o Fritz Lang e fui azarado pelo Luchino Visconti - é verdade!
Fritz Lang estava num grande "bode", coitado. Cego de um olho, angustiado com sua idade (mais de 80 anos), rejeitado pelo sistema de Hollywood e só feliz porque Godard o chamara para Le Mepris. Eu olhava aquele homem amargo e pensava em Brigitte Helm do Metropolis, dançando com sua carapuça de prata e entendi que nada, nem a beleza, nem a genialidade nos livra do tempo.
Depois, na minha viagem, ousei contestar o Luchino Visconti, marxista aristocrata que estava namorando na época o Pierre Clementi, vestido num terninho "mao" de seda branca. Em sua entrevista, me ergui e critiquei seu filme O Estrangeiro, baseado no Camus, também em competição. Ele riu e me sacaneou: "Só te respondo pessoalmente..." Glauber rolava de rir: "Ele quer te comer..."
Volto ao presente e me pergunto: O que mudou?
Os artistas sonhadores dos anos 20/30 foram substituídos pelos desesperados "contemporâneos" e os cineastas tratados feito cachorros pelos produtores. Ou então, fingindo uma profundidade que as formigas atravessam com água pelos joelhos, como dizia o Nelson Rodrigues. Assim como o "cinemão" manipula os espectadores com porradas e transformers, os "artistas" moram num gueto permitido, fabricando o que chamo de "metafísica comercial", como esses dois abacaxis inacreditáveis recentes:
A Árvore da Vida e Melancolia - que posam de "profundos" e que ninguém ousa contestar. Hollywood criou um galinheirinho para "arte permitida". O filme do Malick é constrangedor - americano querendo ser filosófico. O Melancolia é a diluição esquemática e superficial de O Sacrifício, de Tarkovski, esse sim, um gênio que os middle-brows não entendem.
O melhor filme que está passando é o Super Oito do J.J. Abrams, que restaura a magia do cinema dos anos 70.
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